No Brasil, direita e esquerda parecem pastar como jumentos na grama da guerra fria. Coluna de Luiz Felipe Pondé, publicada na FSP:
Sempre que tenho o prazer de ir ao leste europeu, ouço a mesma
resposta quando conto que no Brasil a maior parte dos jovens
“informados” e da classe culta em geral são simpáticos a regimes
socialistas ou comunistas: uma gargalhada seguida de espanto. “Mas, eles
não sabem o que aconteceu aqui nos países comunistas durante décadas?”,
me perguntam.
Claro que esta adesão ao socialismo e comunismo como tara intelectual
não é um pecado brasileiro. Por todo o ocidente, inteligentinhos
brincam de socialistas e comunistas. Diante da violência e miséria que
viveram, os habitantes dos países que padeceram sob o regime comunista
de fato, só podem dar uma gargalhada como esta.
Arriscaria dizer que só agora começamos a ter a chance de tentar
entender, em algum grau, nossa história política desde a guerra fria. O
trágico período da ditadura(que nenhum inteligentinho de direita venha
dizer que não houve ditadura no Brasil) foi seguido por outro período em
que, ao invés de termos uma elite cultural que olhou para o país de uma
forma um pouco mais realista (um filósofo diria, “empírica”), tivemos
uma elite cultural monolítica que continuou presa a geopolítica da
guerra fria. A polarização política no Brasil hoje é anacrônica. Direita
e esquerda parecem pastar como jumentos na grama da guerra fria.
Se Bolsonaro e seus seguidores são uma espécie de cadelas hidrófobas
que saíram do quarto escuro quase 30 anos depois (a imagem é inspirada
em Nelson Rodrigues), nostálgicos de uma ditadura, a elite culta ativa
nos “aparelhos culturais e educacionais” pós-ditadura se encastelaram
numa narrativa atávica, presa a um “profetismo” marxista (e derivados)
que logo estará na lata de lixo da historiografia.
Ao invés de propor uma análise mais complexa e ampla da política,
grande parte de nós preferimos transformar as universidades, a mídia, a
arte e a cultura em espaços de disputa política baixa, a serviço de
interesses de classe, assim como se vê hoje em dia uma parte do poder
judiciário fazer a mesma coisa: que se dane o país, contanto que seus
privilégios de uma República das Bananas continuem a funcionar.
A historia do pensamento político é essencial para pensarmos qualquer
política. A obviedade da afirmação acima é proposital. Referências
existem por toda parte, cito aqui apenas uma delas: “On Politics” do
professor Alan Ryan, que ensinou teoria política nas universidades de
Oxford e Princeton, da editora W.W. Norton & Company.
O debate sobre como fazer a vida em sociedade um pouco menos ruim
(porque é disso que se trata a política), desde a Grécia, tem alguns
marcadores essenciais. Vou dar apenas dois exemplos importantes.
Um deles é a busca de “regimes mistos”, como buscava Aristóteles em
Atenas e Cícero em Roma, ambos na antiguidade, e “Os Federalistas”
(James Madison, John Jay e Alexander Hamilton) nos EUA, no final do
século 18. “Misto” aqui significa um regime que integre minimante uma
“aristocracia” (não de sangue) competente a agentes que representem o
“povo”, a maioria, de forma razoável. A busca dessa integração
institucional visa evitar a ganância dos poderosos e o ressentimento dos
mais pobres.
Política é o campo em que conflitos auto-justificados se organizam
institucionalmente a fim de que esses conflitos não destruam a
sociedade. Esta tradição atinge seu apogeu justamente nos Federalistas,
com a criação de mecanismos práticos e institucionais de pesos e
contrapesos que limitem o poder de todo mundo que tem alguma forma de
poder.
Outro marcador essencial é o debate acerca da natureza humana (não
vou debater com os inteligentinhos o conceito de natureza humana aqui).
De um lado, Santo Agostinho, na antiguidade tardia, para quem o pecado
faz de nós seres interesseiros que a qualquer hora podem destruir tudo
para realizar seus desejos mais mesquinhos e que, portanto, necessitam
de uma ordem mínima que os mantenham sob cuidado e atenção. David Hume,
cético, já no século 18, pensava que seria uma máxima política justa
supor que todo homem pode a qualquer hora agir como um patife, e por
isso mesmo, se faz necessário confiar desconfiando, em bom português.
Do lado oposto, a tradição, grosso modo, iluminista, de Rousseau a
Marx (e derivados) para quem os homens são vítimas históricas que um
dia, libertos da opressão, serão anjos políticos.
Você também está ouvindo a gargalhada de Aristóteles, Cícero, Santo Agostinho, Federalistas e David Hume?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário