terça-feira, 29 de janeiro de 2019

O Brasil deturpou o capitalismo? Não, é um país patrimonialista.



A tragédia de Brumadinho é fruto da incompetência administrativa, ganância pura e um estado incapaz de cumprir suas tarefas mais básicas, reza editorial da Gazeta do Povo desta noite, intitulado "O Brasil deturpou o capitalismo". O fato é que o Brasil não é capitalista, mas patrimonialista, onde empresários, políticos e burocratas assumem o Estado como propriedade privada. Alguns preferem chamar isto de "capitalismo de compadres" - termo benévolo:


A expressão “deturparam o socialismo” se tornou muleta da esquerda sempre que um regime que seguia esse receituário ia pras cucuias. Foi aplicado para se referir à China, União Soviética e, mais recentemente, Venezuela. Diante dos novos fatos e outros não tão novos assim, é possível dizer que nosso país inaugurou o seu antípoda: O Brasil deturpou o capitalismo.
A Gazeta do Povo deixa claro em suas convicções que "a atividade empresarial vai além das trocas voluntárias realizadas entre o empreendedor, seus funcionários, seus fornecedores e seus clientes: ela é um instrumento de desenvolvimento humano e profissional de todos os que têm alguma forma de conexão com a empresa".

E também que nenhuma empresa deve ser demonizada pela busca do lucro: "ele é necessário para a manutenção da empresa, é a recompensa justa que o empresário recebe por colocar seus recursos à disposição da sociedade, é um índice de sua competência, é um meio para que a companhia possa prosperar e fazer crescer sua contribuição ao bem comum, seja aumentando a geração de empregos, seja incrementando a qualidade do serviço e produto que oferecem. O sucesso das organizações empresariais deve ser algo desejado pela sociedade." 
Resumindo, empresas saudáveis lucram e promovem o bem das pessoas que se relacionam com ela. Mas quando empresas como a Vale seguidamente fraudam a confiança depositada nelas pela sociedade — investidores, funcionários e simplesmente quem mora perto de suas instalações — os efeitos são catastróficos, com centenas de vidas perdidas pelo caminho, como já aconteceu em Mariana e, agora, em Brumadinho. 
Há algo de errado em uma empresa que apenas dois anos após o vazamento da barragem de Mariana, que matou 19 pessoas, aumentou os proventos de sua diretoria e de seu conselho em 161%, enquanto suas barragens corriam risco. É bom lembrar que a barragem de Brumadinho não estava entre as consideradas de risco. Ainda em 2017, a remuneração média anual de um diretor da Vale ficou em módicos R$ 12,4 milhões, mais que dobrando o valor de 2016, quando havia sido de R$ 5,4 milhões. 
O lucro e a boa remuneração, nunca é demais frisar, não são crimes e são desejáveis. Mas uma empresa que gasta milhões com altas remunerações e ao mesmo tempo permite que seus funcionários e a população do entorno de suas instalações percam a vida em um acidente totalmente evitável não está cumprindo sua função com a sociedade. 
A falta de cuidado da Vale com suas obrigações é um flagrante desrespeito com a dignidade da pessoa humana. Até o fechamento deste texto, havia mais de 58 mortes confirmadas e 350 desaparecidas. São vidas únicas, cheias de história, que se extinguiram por inépcia e ganância de um grupo de pessoas no comando de uma empresa que já havia matado antes. A liberdade empresarial é importante e traz benefícios para a sociedade, mas não pode de maneira alguma se sobrepor à importância da vida. 
Do lado do Estado, há uma evidente falha em prover o mínimo que se espera dele: ser capaz de garantir a paz, a justiça e a segurança. 

São ações como a da Vale que fazem prosperar entre setores da sociedade a visão de que empresários são vilões, manchando a imagem da maioria honesta. No caso da Vale, a tragédia é resultado de um terceiro-mundismo arraigado em nossa sociedade, numa mistura de incompetência administrativa e um estado inchado que não cumpre suas tarefas mais básicas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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