A tragédia de Brumadinho é fruto da incompetência administrativa,
ganância pura e um estado incapaz de cumprir suas tarefas mais básicas,
reza editorial da Gazeta do Povo
desta noite, intitulado "O Brasil deturpou o capitalismo". O fato é que
o Brasil não é capitalista, mas patrimonialista, onde empresários,
políticos e burocratas assumem o Estado como propriedade privada. Alguns
preferem chamar isto de "capitalismo de compadres" - termo benévolo:
A expressão “deturparam o socialismo” se tornou muleta da esquerda
sempre que um regime que seguia esse receituário ia pras cucuias. Foi
aplicado para se referir à China, União Soviética e, mais recentemente,
Venezuela. Diante dos novos fatos e outros não tão novos assim, é
possível dizer que nosso país inaugurou o seu antípoda: O Brasil
deturpou o capitalismo.
A Gazeta do Povo deixa claro em suas convicções que "a atividade
empresarial vai além das trocas voluntárias realizadas entre o
empreendedor, seus funcionários, seus fornecedores e seus clientes: ela é
um instrumento de desenvolvimento humano e profissional de todos os que
têm alguma forma de conexão com a empresa".
E também que nenhuma empresa deve ser demonizada pela busca do lucro:
"ele é necessário para a manutenção da empresa, é a recompensa justa
que o empresário recebe por colocar seus recursos à disposição da
sociedade, é um índice de sua competência, é um meio para que a
companhia possa prosperar e fazer crescer sua contribuição ao bem comum,
seja aumentando a geração de empregos, seja incrementando a qualidade
do serviço e produto que oferecem. O sucesso das organizações
empresariais deve ser algo desejado pela sociedade."
Resumindo, empresas saudáveis lucram e promovem o bem das pessoas que
se relacionam com ela. Mas quando empresas como a Vale seguidamente
fraudam a confiança depositada nelas pela sociedade — investidores,
funcionários e simplesmente quem mora perto de suas instalações — os
efeitos são catastróficos, com centenas de vidas perdidas pelo caminho,
como já aconteceu em Mariana e, agora, em Brumadinho.
Há algo de errado em uma empresa que apenas dois anos após o
vazamento da barragem de Mariana, que matou 19 pessoas, aumentou os
proventos de sua diretoria e de seu conselho em 161%, enquanto suas
barragens corriam risco. É bom lembrar que a barragem de Brumadinho não
estava entre as consideradas de risco. Ainda em 2017, a remuneração
média anual de um diretor da Vale ficou em módicos R$ 12,4 milhões, mais
que dobrando o valor de 2016, quando havia sido de R$ 5,4 milhões.
O lucro e a boa remuneração, nunca é demais frisar, não são crimes e
são desejáveis. Mas uma empresa que gasta milhões com altas remunerações
e ao mesmo tempo permite que seus funcionários e a população do entorno
de suas instalações percam a vida em um acidente totalmente evitável
não está cumprindo sua função com a sociedade.
A falta de cuidado da Vale com suas obrigações é um flagrante
desrespeito com a dignidade da pessoa humana. Até o fechamento deste
texto, havia mais de 58 mortes confirmadas e 350 desaparecidas. São
vidas únicas, cheias de história, que se extinguiram por inépcia e
ganância de um grupo de pessoas no comando de uma empresa que já havia
matado antes. A liberdade empresarial é importante e traz benefícios
para a sociedade, mas não pode de maneira alguma se sobrepor à
importância da vida.
Do lado do Estado, há uma evidente falha em prover o mínimo que se
espera dele: ser capaz de garantir a paz, a justiça e a segurança.
São ações como a da Vale que fazem prosperar entre setores da
sociedade a visão de que empresários são vilões, manchando a imagem da
maioria honesta. No caso da Vale, a tragédia é resultado de um
terceiro-mundismo arraigado em nossa sociedade, numa mistura de
incompetência administrativa e um estado inchado que não cumpre suas
tarefas mais básicas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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