Nos “media” tradicionais sobram somente a cegueira, que os impede de
perceber as causas da sua agonia, e a obediência, que os leva a apoiar
os esforços para aplicar rédea curta à devassidão da "net". Da coluna
semanal de Alberto Gonçalves, via Observador:
O prof. Marcelo pergunta-se se o Estado não deve intervir nos
“media”. E suspeito que sabe a resposta: na perspectiva dele, é sim,
claro que sim, mil vezes sim. Na perspectiva dos “media” tradicionais,
também. Ainda o prof. Marcelo se aliviava daquelas profundíssimas
questões, o “Público” corria a entrevistar uma “investigadora na área
dos ‘media’”, assaz identificada com a angústia presidencial: “Marcelo
apontou-nos uma bandeira, agora é preciso agitá-la de forma musculada”.
Em simultâneo, um administrador da Global Media, que possui o JN, a TSF e
o fantasma do DN, declarou a proposta “corajosa” (?) e merecedora de
“reflexão” a cargo dos “partidos, dos operadores e da sociedade civil”.
Um responsável da Renascença afirmou ser “importante alertar para a
importância dos meios de comunicação social”. E, há cerca de um ano, o
“publisher” (ena) da Cofina exigia um “plano de emergência” para o
sector. O sector em peso desatou a agitar a tal bandeira de forma
musculada, para não dizer desesperada.
À semelhança do prof. Marcelo, tenho dúvidas. Ei-las: descontado o
oficial entulho salazarista da RTP e da RDP, o Estado não intervém nos
“media”? De certeza? Significa isto que os “media” são o que são por
livre vontade? E que a omnipresença de palavreado senil “sobre” bola não
visa consolar os simples e distraí-los de um país em marcha firme rumo
ao abismo, com ou sem pedreiras? E que os Louçãs, os Mendes, os
Pachecos, os Césares, os Proenças, as Mortáguas, os Júdices e restantes
paradigmas das nossas finas castas ocupam 97% do espaço “opinativo”
apenas por obra e graça do seu brilho analítico, da originalidade do
raciocínio, da excelência do verbo? E que a “cobertura” da aberração
política que nos assombra desde 2015 é fruto de decisões editoriais
conscientes e não um exercício de propaganda tão infantil que
envergonharia Goebbels e Zhdanov?
Obviamente, não lembrarei o irrelevante episódio de um colunista
reaccionário enxotado de duas publicações em três meses, por sugestão de
cima ou bajulação de baixo. Mas se o Estado, ou a rede de “interesses”
que enfim ocupou o Estado inteiro, não intervém nos “media”, parece. E
não quero imaginar o que seriam os “media” assumidamente nacionalizados.
Ou quero: seriam exactamente iguais aos “media” que temos, apenas mais
abonados e, se possível, mais obsequiosos face aos senhores que mandam.
Na essência, nada mudaria na respectiva “orientação” e nada mudaria no
desprezo do contribuinte, que passaria a financiar do seu bolso os
jornais e as televisões que não vê hoje e não veria amanhã. Para o prof.
Marcelo, este passo é fundamental para proteger a liberdade e a
democracia.
Como quase sempre, Sua Excelência não só não tem razão como se
encontra nos antípodas da dita. E, como quase sempre, Sua Excelência
sabe. Sabe, inclusive, que a subserviência primária – e, pelos vistos,
voluntária – dos “media” aos donos disto tudo é que ameaça a liberdade e
a democracia. Quando, por exemplo, a imprensa transforma um novo
assalto fiscal numa demonstração da generosidade do dr. Centeno, que
importa se a “notícia” é ou não consumida? Em qualquer dos casos, o
cidadão termina roubado. Se os “media” se preocupassem com a liberdade e
a democracia, o dr. Centeno andaria a perder eleições para a gestão do
condomínio. Se os “media” se preocupassem com a liberdade e a
democracia, não conviveriam “naturalmente” com a influência de
estalinistas e aparentados no governo de uma nação europeia do séc. XXI.
Se os “media” se preocupassem com a liberdade e a democracia, não
poupariam um chefe de Estado exclusivamente concentrado em caucionar uma
situação ruinosa enquanto troca de calções e consulta os índices de
popularidade. Se os “media” se preocupassem com a liberdade e a
democracia, talvez tivessem audiências suficientes para dispensar o
peditório.
Onde estão as audiências? A maioria, que assiste a noticiários
protagonizados por dirigentes desportivos, está em transe e, não tarda,
em fóssil. O resto saltita por aí, à cata de informação não sujeita a
censura prévia ou póstuma. Com maior ou menor rigor, e às vezes rigor
nenhum, descobrem-na na internet. Peneirada uma imensa quantidade de
entulho, aqui e ali, nas “redes sociais”, páginas pessoais ou “sites” de
facto jornalísticos e independentes, acabam por sobrar algumas
interpretações menos alucinadas da realidade. Nos “media” tradicionais,
sobram unicamente a cegueira, que os impede de perceber as causas da sua
agonia, e a obediência, que os leva a apoiar os esforços das castas
nacionais e internacionais para, em nome da “liberdade” e da
“democracia”, aplicar rédea curta à devassidão imprevisível que prospera
na “net” (entre múltiplos avisos, a recente obsessão com a “direita do
Observador” não engana). Além de não terem muito público, os “media” não
têm muita vergonha.
E o mesmo se aplica a quem defende a sobrevivência dos “media” para
defender a própria, ambas vinculadas ao caldo de compadrios a que se
convencionou chamar regime. Não é a atitude “corajosa” de que alguém
falou acima: é, por definição, o contrário. Em tempos, a ideia era
ajudar o outro a terminar o mandato com dignidade. E os mandatos que já
começam indignos?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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