"Racismo é crime. Mas estimular o racismo fingindo combatê-lo está
liberado – e aprovado como marketing pessoal. Portanto, não fique aí
parado. Impulsione você também sua carreira com alguma alegoria
humanitária de auditório". Coluna de Guilherme Fiuza, via Gazeta do Povo:
Um desses personagens que cuidam de suas redes sociais como se
cuidassem de um filho chamou a atenção de todos no Natal. Informando que
sua filha tinha medo de Papai Noel branco, ele contratou um negro para
fazer o papel do bom velhinho. O referido personagem se considera um
crítico do racismo.
Talvez ele esteja um pouco confuso quanto à diferença entre crítica e
apologia. Normal. É mesmo uma diferença sutil, como a que distingue o
amor e o ódio. Tudo muito parecido, ainda mais no mundo fugidio das
redes sociais. Ali é tudo preto no branco, mas se for branco no preto
ninguém vai notar.
Pois bem: o diligente manifestante contra o racismo, que é branco e
adotou uma menina negra, divulgou que a filha se sentiu melhor diante de
um Papai Noel da cor dela. A turma do Apartheid teve exatamente a mesma
ideia: transformar a cor da pele em critério básico para a relação
entre as pessoas – preto com preto e branco com branco, cada um na sua. A
premissa da identidade racial como base social deu origem a um dos
regimes mais desumanos da história, mas foi sem querer.
Veja como é difícil, na sofreguidão das redes sociais, distinguir um progressista de um reacionário.
Que tal imaginar um Natal na casa de um pai homofóbico? Ele também
poderia dar uma adaptada na lenda – quem sabe substituindo as renas do
trenó por cavalos, para que o filho não ficasse diante daquele desfile
de veados. Se uma família veta o Papai Noel branco, a outra veta o
Bambi. Cada um na sua.
Não há nada mais eficaz para se perceber uma alegoria idiota do que outra alegoria idiota.
Aí está o resumo dessa resistência de auditório ao racismo e demais
causas politicamente corretas: um desfile de alegorias e adereços tão
reluzentes quanto fajutos – e, naturalmente, inúteis para todos aqueles
que os heróis de Facebook dizem defender.
Essa caçada sôfrega por uma etiqueta humanitária de 1,99 já produziu
outras alegorias patéticas. Uma das mais famosas veio de uma personagem
que também cuida do seu figurino heroico como se cuidasse de um filho –
e, a propósito, não hesitou em transformar o filho verdadeiro em
alegoria: por ele ser negro, declarou a mãe, as pessoas mudam de calçada
ao vê-lo.
Impossível não lembrar de novo da turma do Apartheid diante de um
depoimento que parece transplantar sumariamente o Brasil de hoje para a
África do Sul do século passado. Impressionante.
De fato, esses pais histrionicamente engajados na luta contra o
racismo estão ensinando seus filhos a mudarem de calçada ao avistarem um
Papai Noel que tenha a cor da pele diferente da sua. Veja como os
preconceituosos podem parecer quase inofensivos diante dos hipócritas.
Racismo é crime. Mas estimular o racismo fingindo combatê-lo está liberado – e aprovado como marketing pessoal.
Portanto, não fique aí parado. Impulsione você também sua carreira
com alguma alegoria humanitária de auditório. É a maneira mais eficaz de
ajudar, hoje em dia, a mais carente das minorias: você.
E agora feche os olhos que vamos citar o inimigo número um dos
hipócritas: “Eu não vou chamá-lo de homem branco, e quero que você pare
de me chamar de homem negro. Meu nome é Morgan Freeman.”
Mas se você estiver catando seu lixo ideológico por aí e der de cara
com Morgan Freeman – ator consagrado sem favor demagógico nenhum –, não
pergunte a ele qual deve ser a cor da pele do Papai Noel. A resposta
poderia te deixar mais pálido que o bom velhinho. Melhor mudar de
calçada.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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