A vitória de Jair Bolsonaro pode significar um marco na política
nacional, uma guinada à direita após décadas de hegemonia esquerdista,
escreve Rodrigo Constantino em artigo publicado pela Gazeta do Povo:
A vitória de Jair Bolsonaro pode significar um marco na política
nacional, uma guinada à direita após décadas de hegemonia esquerdista.
Claro que não se muda tudo pela política, e o aspecto cultural é, sem
dúvida, o mais importante. Tampouco se sabe se Bolsonaro vai mesmo
seguir numa direção liberal na economia e conservadora nos costumes, sem
resquícios autoritários ou antirrepublicanos. Mas há uma chance de o
Brasil ter começado a deixar a era progressista para trás.
O que exatamente é essa era progressista? Qual o seu legado e sua
origem? Em Suicide of the West, Jonah Goldberg dedica um capítulo
inteiro ao tema, cujo subtítulo é “o nascimento da Constituição viva e a
morte da liberdade”. Seu foco é o caso americano, mas isso não diminui a
relevância de sua análise, que nos oferece todo um arcabouço
intelectual e político para explicar a mentalidade vigente na tal era
progressista, que deixou sua profunda marca em nosso país também.
Há basicamente duas premissas básicas para definir os intelectuais
progressistas: em primeiro lugar, o governo moderno deve ser guiado pela
“ciência” e não pela política em si; e, em segundo lugar, uma economia
industrializada deve ter a supervisão e a regulação minuciosa da mão
visível do Estado administrativo moderno. O poder deve ser concentrado
numa burocracia de “ungidos”, capaz de liderar a nação rumo ao
progresso, com base na ciência.
O darwinismo teve forte influência nos pensadores progressistas,
principalmente ao atacar noções de direitos naturais e, ao mesmo tempo,
alimentado a ideia de que o Estado não é apenas uma expressão do povo,
mas deveria ser também o guia de uma continuada “evolução” da sociedade.
Esta passou a ser vista como um organismo vivo, especialmente pelos
sociólogos, como uma criatura que tem instinto de autopreservação. O
“caótico” capitalismo era contrário a esta visão: órgãos de um mesmo
“corpo” não devem competir entre si, mas sim trabalhar em harmonia. O
coletivismo é a marca registrada dos progressistas.
Os pensadores progressistas beberam da fonte positivista também,
inspirada em Auguste Comte, que considerava que a humanidade tinha
entrado em uma nova fase da história, na Era da Ciência, e que a
sociedade poderia ser dirigida, guiada e aperfeiçoada por especialistas
iluminados. O individualismo era, para essa turma, a “doença do mundo
ocidental”. A Prússia de Bismarck era tida como referência para toda uma
geração de acadêmicos americanos, justamente por seu crescente aparato
burocrático para administrar a sociedade. Entre os admiradores estava o
jovem Woodrow Wilson, que se tornaria o primeiro presidente efetivamente
“progressista” da América.
Foi nesse contexto que nasceu a perigosa ideia – culto, na verdade –
de que a Constituição é um organismo vivo, que aquilo que os Pais
Fundadores criaram era datado e precisava “evoluir” constantemente. Os
Pais Fundadores, ao contrário, entendiam que a natureza humana é
relativamente estável e que as paixões humanas precisam ser controladas
para se preservar a liberdade. Os “progressistas” deixariam de lado tais
alertas, endossando uma visão “otimista”, ou mesmo romântica, do homem,
em especial aquele com o poder: o administrador do setor público que
estaria acima das tentações comuns e que só pensaria no “bem geral”.
Nessa toada, os “progressistas” passaram a defender um poder
arbitrário e extralegal aos administradores do Estado, para que pudessem
colocar em prática a “vontade geral” do povo, promover o “bem maior”.
No fundo, argumenta Goldberg, não há nada de progressista nisso;
trata-se de um sentimento reacionário para se recriar a antiga
aristocracia dos “especialistas” e evitar, assim, as consequências
“caóticas” da liberdade, como a “destruição criadora” de que falava o
economista austríaco Schumpeter.
Os administradores do Estado seriam a nova casta protegida, com
vastos privilégios e estabilidade de emprego, para que pudessem colocar o
“bem geral” acima de seus próprios interesses. É uma visão no mínimo
ingênua da natureza humana, que ignora o alerta de Lord Acton: o poder
corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Quando a classe de
administradores se viu blindada contra a política e sem qualquer
necessidade de prestar contas aos eleitores, nascia o “Estado
administrativo”, que também atende pelo nome de establishment ou “deep
state”. São aqueles que, entra governo e sai governo, permanecem no
poder, sem precisar prestar contas à sociedade.
Esses “especialistas altruístas” existem apenas na cabeça dos
“progressistas”. Mas a visão foi tão poderosa que muitos passaram a
defender essa categoria de burocratas que teria como único foco o
bem-estar social. A ideologia passou a dar suporte ao avanço do Estado,
que já tem naturalmente uma tendência de crescer sem parar. O resultado
não poderia ser outro: o agigantamento estatal, com todas as nefastas
consequências que ele produz, como mais corrupção, impostos maiores,
regulação asfixiante e a perda de liberdade do cidadão. E tudo em nome
da ciência, como vemos nos discursos dos “progressistas” (basta pensar
na questão do aquecimento global e como a histeria por ele criada
justifica um aparato estatal cada vez maior).
O legado do “progressismo”, portanto, é aquele de um Estado mais e
mais dirigista, intervencionista e inchado, dominado pela “tirania dos
especialistas”, que perderam totalmente o contato com a realidade da
população. A vitória de Trump nos Estados Unidos teve muito a ver com
isso. Foi uma reação para “drenar o pântano” em Washington. Da mesma
forma, Bolsonaro venceu no Brasil com um discurso contra o
establishment, prometendo mais Brasil e menos Brasília. Resta saber se
vão mesmo conseguir desarmar o Estado administrativo criado na era
progressista.
Trump tem tido algum sucesso, mas ainda é muito pouco. Espera-se que
Bolsonaro siga as sugestões de seu ministro Paulo Guedes, que compreende
bem as mazelas deixadas pelos “progressistas”. Não é trocar
“especialistas ungidos” por outros melhores, mas sim declarar guerra ao
próprio conceito do Estado administrativo e abraçar, finalmente, o
“caos” da liberdade.
Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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