terça-feira, 30 de outubro de 2018

É hora de descer do palanque e trabalhar


Paulo Roberto Sampaio

Tribuna da Bahia, Salvador
30/10/2018 09:37
   


Que foi uma vitória incontestável isso é inquestionável. Mais que os números, veio a consagração popular, a fé nas mudanças prometidas, num novo estilo de governar, de fazer política.
Verdade que houve um preço alto a ser pago. Famílias e amigos desfizeram sólidos laços que pareciam eternos e hoje não admitem se ver; destruíram relações que pareciam para toda a vida. Foi triste de ver, de sentir. De testemunhar que o preconceito existia tão perto de nós.
Mas foi uma bela disputa. Foi bonito ver a mobilização criativa e positiva. Depois desse pleito nada será como antes e até por isso, é hora de o capitão Jair Messias Bolsonaro saborear a conquista. Brindar pela forma que veio a vitória, com uma diferença três vezes maior do que sua antecessora, Dilma Rouseff obteve sobre o tucano Aécio Neves, mas se ater a alguns detalhes, ainda mais em tempos de tanta volatilidade no humor do eleitor.
Bolsonaro saiu consagrado das eleições com o apoio de 57,7 milhões de brasileiros que lhe confiaram o voto por não tolerar mais os desmandos flagrados nesse país, por terem cansado de um modelo de gestão onde as falcatruas e os conchavos ditavam as regras do jogo e onde a corrupção se tornou endêmica.
Mas 47 milhões não o apoiaram, votando em seu adversário, Fernando Haddad, e quase 43 milhões de brasileiros silenciaram, nem lá apareceram ou os que foram, optaram pelo branco ou nulo, fugiram a responsabilidade para adiante se sentirem à vontade para dizer "eu não votei nele".
É tempo, portanto, de descer do palanque, ter um gesto de grandeza e não alimentar o ódio nem a política de extermínio, que em alguns momentos usou como retórica e lhe valeu comparações nada enaltecedoras.
Eleito, espera-se dele um gesto de conciliação, como o defendido aqui na Bahia pelo governador Rui Costa, seu adversário declarado nesta disputa, mas que tratou de descer do palanque assim que as urnas foram fechadas, e pelo prefeito ACM Neto, aliado neste segundo turno, mas que numa atitude soberana passou a pregar também  a defesa de um Brasil unido para o bem de todos os brasileiros.
Daí, se num gesto de desabafo, findo o duelo deste domingo, ainda achou ser possível manter esse gosto pela cólera, que reflita daqui para frente, até porque o Brasil precisa de um presidente de todos os brasileiros.
O que o Brasil espera agora de seu novo presidente é que se debruce sobre os reais problemas do país e a eles ofereça soluções. Michel Temer, o antigo habitante do Planalto, que por lá vaga como alma penada, atravessando corredores vazios de poder, pode ser até culpado por algo que esteja dando errado, mas do dia 1º de janeiro em diante estará longe e às voltas com sua defesa nos muitos processos que devem lhe bater à porta. E citar o seu nome em nada mudará o humor do brasileiro, que já o excluiu desse jogo e nem permitiu que entrasse em campo nessa contenda.
É fato que resultados não virão da noite para o dia, embora haja uma expectativa grande demais quanto as medidas que estimularão o mercado de trabalho e farão o Brasil voltar a crescer.
Mas se na economia o caminho tende a ser mais tortuoso e lento, no campo político, não. Eleito e aclamado como foi, deve o novo presidente tratar de colocar em prática o que pregou durante toda a campanha: ouvir e ser atencioso com aliados, mas não se curvar, jamais, a indicações políticas nem os abomináveis conchavos.
É fato que em sua porta há uma fila de pretendentes e aspirantes a pastas sempre cobiçadas no Planalto, mas para que o Brasil sinta de verdade o cheiro da mudança, que ofereça um delicado cafezinho e um breve agradecimento e trate de indicar às visitas mais impertinentes que as regras hoje são outras e a política do toma-lá, dá-cá está sepultada.
Só assim essa lua de mel que começa com tantas vivas ao mito, fogos e bandeiras desfraldadas pelo país afora, fará sentido.

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