quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Clientes lamentam o fechamento das livrarias no Brasil


O anúncio da Saraiva ocorre poucos dias após a Livraria Cultura ter anunciado que havia pedido recuperação judicial

Tribuna da Bahia, Salvador
31/10/2018 12:53 | Atualizado há 6 horas e 48 minutos
   
Foto: Romildo de Jesus

Por Lício Ferreira
A Saraiva, maior rede de livrarias do Brasil, anunciou na última segunda-feira (29), que está fechando 20 das 84 lojas que tem no país. Especializada em livros, jogos, DVDs e produtos editoriais, a rede não  adiantou quais as unidades que serão fechadas. Aqui, em Salvador, o grupo mantém quatro unidades, nos shoppings Salvador, Barra, Bahia e Paralela.
O anúncio da Saraiva ocorre poucos dias após a Livraria Cultura ter anunciado que havia pedido recuperação judicial. Ambas as livrarias passam por um mau momento, em que há meses não conseguem pagar seus fornecedores, agravando, assim, a crise do mercado editorial brasileiro. 
Em comunicado dirigido à imprensa, a rede informou que “a medida foi necessária diante dos desafios econômicos e operacionais do mercado, além de indicadores que retratam uma mudança na dinâmica do varejo”. Na década de 90, a Saraiva fundou, em São Paulo, a primeira ‘megastore’ que atendia às demandas culturais (livros, revistas, música), tecnológicas (a ascensão dos artigos de informática e de celulares).
Com espaços de convivência e de leitura, e também  equipados com cafés e anfiteatros, as livrarias Saraiva conquistaram um público cativo nos últimos anos. O fechamento dessas unidades é motivo de lamento de gente inteligente como a psicóloga Deloní Guimarães, 50 anos; o estudante de psicanálise José Ítalo, 26 anos; e o militar da reserva João Alberto 68 anos, que freqüentam o local em busca de conteúdo e entretenimento.
Leitura pontual
Sentada numa confortável cadeira, fazendo uma leitura pontual sobre Psicologia, Deloní Guimarães considerou a notícia do fechamento das unidades como bem negativa. “Para um país com tanto déficit de leitura, é lamentável, em todos os sentidos, este comunicado. As pessoas no Brasil lêem tão pouco ou muito menos do que deveriam, que é desagradável saber que a crise econômica esteja atingindo este segmento”.
Lembrando seu apreço pela boa leitura, vez que foi jornalista tempos atrás na Folha de Barreiras (oeste do Estado) – periódico que deixou de existir -, a psicóloga diz: “Eu que sou uma pessoa que adoro ler, aproveito com prazer este ambiente especial, que a livraria nos oferece. Saiba que não há melhor lugar do que este, que a Saraiva  propicia aos seus clientes –leitores. Aqui, na paz e na tranqüilidade, fazemos a descoberta prazerosa do aprendizado”.
Na mesa, ao lado, também atento ao livro, que tem nas mãos, o administrador de empresas e estudante de psicanálise José Ítalo crava um diagnóstico do problema. “Com certeza, foi esta crise econômica que está asfixiando as empresas. O fechamento das livrarias é um reflexo direto do atual momento, que nós vivemos. Sou um cliente que, constantemente, adquire livros para ampliar a formação profissional. Por isso, vejo esta decisão como muito prejudicial aos meus anseios”. 
Biblioteca particular
Militar da reserva, João Alberto caminhava nos labirintos das estantes em busca de livros para comprar sobre História e Autobiografias, além de livros de Guerra. “Eu gosto, por exemplo, das obras do escritor Laurentino Gomes, um dos meus autores preferidos. Utilizo a Livraria Saraiva como uma biblioteca, e aqui, neste espaço de leitura, eu me encontro em total harmonia com o que mais gosto: ler”.
João Alberto tem uma sugestão ao novo presidente da República Jair Bolsonaro. “Gostaria que ele avalie com mais atenção este momento difícil dos empreendedores do mercado de livros, e, sensibilizado com as dificuldades enfrentadas pelos donos de livrarias, em todo o país, envie ao Congresso nacional um decreto de isenção de impostos ao setor. Este decreto, com apoio de governos estaduais e  municipais, seria uma válvula para reduzir o desemprego, que esse e outros fechamentos anunciados estão provocando”. 
Esta situação, que ora se amplia, foi apresentada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) ao mostrar, recentemente, “que o faturamento do setor editorial geral (com vendas para o mercado e para o governo) diminuiu 21% no comparativo entre 2006 e 2017, o que corresponde a uma perda de R$ 1,4 bilhões. Após um período de expansão, entre os anos de 2006 e 2011, quando chegaram a faturar cerca de R$ 7 bilhões (em valores constantes de 2017), as editoras viram seu faturamento cair aproximadamente 20% nos últimos três anos, impactadas pela crise que afetou o país a partir de 2015”, registra o documento feito pela Fipe.
Resultados positivos
Na contramão desse levantamento, o mês de outubro deste ano  (o  nono período do mercado livreiro) foi marcado por resultados positivos, em comparação ao mesmo intervalo no ano passado. Mesmo com o feriado prolongado de 07 de setembro, as vendas nessa época apresentaram crescimento de 3,65% em volume e de 5,37% em faturamento, seguindo a tendência de recuperação das edições passadas. No acumulado de 2018, o cenário permanece positivo, com alta de 5,70% em volume e de 9,33% em valor”. Os números têm como base o resultado da Nielsen BookScan Brasil, que apura as vendas das principais livrarias e supermercados no país.
Caminhos do livro
Entretanto, o  que poucos sabem e até alguns desconhecem são os caminhos do livro depois que a obra sai da gráfica, normalmente em tiragens mínimas de milhares de exemplares. O que acontece é o seguinte: as editoras dedicam uma parte do estoque em regime de contratos de consignação à distribuidoras de livros em diferentes pontos do território brasileiro para que atendam prontamente e com a maior variedade possível de títulos, como estoques regionais, as livrarias e pontos de vendas locais.
Em seguida, a editora estipula o preço de capa e de descontos para distribuidoras (aproximadamente 50%) e livrarias (aproximadamente 30%). O preço final do livro precisa dar conta de remunerar esta divisão do trabalho e que inclui os direitos de autor. Em razão disso, a questão do preço tem dois lados. Por um lado, pagar menos é sempre uma vantagem para o consumidor. Mas o ponto é que as editoras não vêm conseguindo repassar a inflação, e o público tem dificuldade de reconhecer o valor agregado de um livro. Por essas e outras é que o debate em torno do preço único dos livros ganha centralidade e importância no Brasil.

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