Editorial da Gazeta do Povo vai ao ponto: "a fusão de municípios eliminaria uma série de gastos com a burocracia administrativa":
A gravíssima crise fiscal que atinge o governo federal, com déficits
primários seguidos na casa dos R$ 150 bilhões, tem concentrado a atenção
da imprensa, o que é bastante compreensível dada a dimensão do
problema. Ocasionalmente as manchetes também lembram que há estados
financeiramente quebrados, incapazes de pagar seu funcionalismo em dia.
Mas há uma outra crise igualmente profunda e espalhada pelo país: a dos
municípios inviáveis. Um levantamento da Federação das Indústrias do
Estado do Rio de Janeiro (Firjan) identificou 1.872 cidades cuja
arrecadação é incapaz até mesmo de bancar os salários do prefeito, dos
vereadores e dos secretários municipais. O número corresponde a um terço
dos municípios brasileiros.
De acordo com o estudo, as cidades com menos de 20 mil habitantes
costumam contar com apenas 9,7%, em média, de recursos próprios, vindos
da arrecadação de tributos municipais como o ISS e o IPTU. Todo o resto
vem de fundos de transferência. A Firjan chegou a encontrar três casos –
em Minas Gerais, Piauí e Rio Grande do Norte – em que a receita própria
era de quase zero. E, quanto menor o município, é mais provável que os
gastos com a manutenção da máquina pública consumam parcelas maiores do
orçamento, deixando menos dinheiro para os serviços de que a população
mais necessita.
A pesquisa da Firjan confirma o que outros estudos semelhantes já
verificaram no passado. O Tribunal de Contas do Estado do Paraná
publicou, em janeiro de 2017, um estudo segundo o qual 95 municípios
paranaenses (ou seja, um quarto do total de cidades do estado) tinham
viabilidade financeira no mínimo questionável.
E é fácil entender como se chegou a esse ponto. Após a promulgação da
Constituição de 1988, houve uma verdadeira farra de criação de
municípios, algo que os políticos viram com bons olhos: vendendo à
população da cidade emancipada a ideia da autonomia, de decidir o
próprio destino, eles ganhavam a oportunidade não apenas de ocupar novos
cargos eletivos, mas de conseguir novos palanques para futuras
pretensões estaduais ou nacionais.
No entanto, a estrutura tributária brasileira é feita sob medida para
estrangular os municípios, já que a maior parte da arrecadação vai para
a União. Aquelas cidades que não conseguem atrair investimento privado,
com indústrias, comércio robusto ou um setor de serviços vibrante,
estão condenadas a arrecadar pouco e a ficar dependentes das
transferências, levando o prefeito a peregrinar por gabinetes em
Brasília ou na capital de seu estado com o pires na mão em busca de
recursos, conseguidos em troca justamente do apoio político. O prefeito
em apuros de hoje prestigia o deputado que lhe consegue uma ambulância,
enquanto alimenta a esperança de um dia estar ele mesmo na posição do
“parlamentar benfeitor”.
Mesmo assim, ainda há quem pretenda mais desmembramentos – o PLP
137/2015 já esteve perto de ir ao plenário da Câmara, a última etapa de
tramitação no Congresso, mas era retirado no último minuto. Se aprovado e
sancionado, abriria espaço para mais 400 municípios. É verdade que a
matéria precisa de regulamentação; que há alguns casos em que a
emancipação se justifica – por exemplo, nos de distritos que geram
riqueza muito maior que o retorno recebido da atual administração
municipal; e que o PLP 137 estabelece critérios mais rigorosos que o
“trem da alegria” de projetos anteriores que, aprovados, felizmente
esbarraram no veto presidencial. Mas a prioridade, no momento, é
encontrar a solução para os municípios já existentes e que são incapazes
de se sustentar.
A solução passaria, sem dúvida, por uma revisão do pacto federativo
que deixasse mais recursos nos municípios e reduzisse a dependência das
transferências – um objetivo tão abrangente quanto difícil. Por isso,
também é preciso considerar opções mais imediatas; a mais simples seria a
redução da estrutura municipal, mantendo o mínimo possível de
secretários, vereadores e outros cargos. A racionalização de outros
gastos poderia vir por meio de consórcios, unindo vários municípios na
oferta de determinado serviço público. A prática é mais comum entre
cidades pequenas e na área da saúde, e o Paraná tem registrado boas
experiências nesse sentido.
Outra opção é a fusão de municípios, o que já de saída eliminaria uma
série de gastos com a burocracia municipal. Durante a crise do euro, em
2011, a Itália aprovou o fim de províncias pouco populosas ou pouco
extensas, bem como a fusão de cidades com menos de mil habitantes – à
época, a decisão afetava 1.970 cidades, ou quase 25% dos municípios
italianos. Até o momento, cerca de 230 deles já se fundiram, outros 39
já têm a união programada para ocorrer até 2021 e há propostas ainda não
aprovadas para quase 400 municípios, com algumas fusões envolvendo até
15 cidades e vilarejos.
No caso brasileiro, a Firjan também estimou qual seria a economia
caso as 1.872 “cidades inviáveis” se unissem ou se incorporassem a
municípios vizinhos: R$ 6,9 bilhões por ano. O problema é que a ausência
de regulamentação está bloqueando as fusões e incorporações, que também
figuram no PLP 137/2015. Uma versão do projeto que facilitasse as
uniões e estabelecesse critérios ainda mais rígidos para emancipações
seria um bom início para reverter a farra pós-Constituição e
racionalizar o gasto público.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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