A
Corte Interamericana de Direitos Humanos comunicou aos ministérios das
Relações Exteriores e Direitos Humanos a condição de réu do Estado
Brasileiro no caso que investiga a morte de 64 pessoas, vítimas de
explosão em uma fábrica de fogos de Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo
baiano. A tragédia, que também deixou cinco feridos, aconteceu em 1998 e
completa 20 anos sem que ninguém tenha sido responsabilizado.
O
Brasil já havia reconhecido a responsabilidade perante a Organização
dos Estados Americanos (OEA) em novembro de 2006, durante audiência
realizada em Washington, nos Estados Unidos, e se comprometido a reparar
os danos causados às famílias das vítimas. No entanto, até a presente
data, o acordo firmado com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
não foi cumprido pelo Estado Brasileiro e, por este motivo, o caso foi
enviado à corte nesta semana.
O
processo foi registrado na Corte Interamericana em 2001, com o número
12.428, tendo como justificativa a morosidade do judiciário na resolução
do conflito, que envolve as esferas penal e cível. Os processos
tramitam junto ao Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) desde 1999 e, até
o momento, nenhum dos sócios da empresa foi responsabilizado e as
famílias das vítimas continuam sem receber o total das indenizações.
Processos
De
acordo com as ações do TJ-BA, os sócios da empresa, todos da mesma
família, devem, além de indenizar, responder criminalmente pelas mortes.
Um dos donos da fábrica clandestina, Osvaldo Prazeres Bastos, conhecido
como Vardo dos Fogos, foi acusado de armazenar os materiais sem
condições básicas de segurança, além de manter crianças e adolescentes
trabalhando nas instalações da empresa.
Os
réus chegaram a ser condenados à prisão na esfera criminal, depois de
serem a submetidos a júri popular em 2010. As penas chegavam a 10 anos e
6 meses em regime fechado, mas todos permanecem em liberdade. Eles
recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) e o recurso especial está
concluso para análise da ministra Rosa Weber desde 25 de outubro de
2017. O processo no STF corre em segredo de justiça.
Por
se tratar de reparação de danos, a penhora serve para garantir o
pagamento de futura indenização aos autores da ação – familiares das
vítimas e sobreviventes da tragédia.
Familiares
das vítimas criaram o Movimento 11 de Dezembro e, há duas décadas,
lutam por justiça. É o caso da presidente da entidade, Maria Balbina dos
Santos, de 57 anos, conhecida como Dolores. Ela perdeu a filha única,
Arlete Silva Santos, à época com 14 anos. Segundo Dolores, as famílias
receberam 50% do valor destinado às indenizações, o que totaliza o valor
de quase R$ 30 mil por morte.
“Eles
foram condenados a pagar R$ 20 mil por cada morte, mas, como pararam de
pagar, esse valor foi atualizado. A gente já recebeu metade do valor
devido, mas não temos previsão de recebimento do restante”, afirmou.
Dolores também contou ao CORREIO que o dia do recebimento da primeira
parcela da indenização foi o segundo dia mais triste da vida dela.
“Dinheiro nenhum paga a morte de minha filha. E, receber pela vida dela,
me deixou destruída”, disse.
A
presidente do Movimento 11 de Dezembro também declarou que, passados 20
anos, muitos familiares das vítimas já morreram. “Eles foram adoecendo e
não puderam ver a justiça sendo feita. Eu tenho fé em Deus que esse
julgamento vai ser justo e nós vamos poder, finalmente, descansar”,
destacou. Ainda de acordo com Dolores, para superar a morte da filha
única, ela precisou adotar outra criança. “Eu só quero ter saúde para
viver e presenciar a nossa vitória na Corte”, contou.
Acidente
Em
11 de dezembro de 1998, em uma das fazendas de Osvaldo Prazeres Bastos,
em Santo Antônio de Jesus, na Bahia, 64 pessoas morreram depois de uma
fábrica clandestina explodir. Outras 5 ficaram gravemente feridas.
Segundo a ONG Justiça Global, quase todas as vítimas eram meninas entre 9
e 14 anos e mulheres idosas com idades entre 79 e 91 anos. Ainda
segundo a Organização, à época, eram pagos R$ 0,50 pela produção de mil
traques (pequenos pedaços de pólvora embrulhados em papel) a cada
trabalhador.
Após
a tragédia, familiares e moradores da região se reuniram e formaram o
Movimento 11 de Dezembro, um dos autores da denúncia junto à Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
Segundo
eles, foram instaurados quatro processo, nas esferas cível, criminal,
administrativa e trabalhista, para apurar as responsabilidades dos donos
do espaço onde aconteceu a explosão, mas, após 20 anos, apenas dois
casos foram finalizados.
Ainda
segundo integrantes do Movimento 11 de Dezembro, apenas o Exército
Brasileiro forneceu auxílio aos filhos das vítimas, que receberam
pensões no valor de um salário mínimo (reajustado anualmente) até
completarem 18 anos.
Jaiane
de Jesus Silva tem 25 anos e, em 1998, perdeu a mãe, Ana Lúcia de
Jesus, à época com 27 anos. “Eu ia completar 5 anos quando o acidente
aconteceu. Eu perdi minha mãe, eu e meus seis irmãos”. Ela contou ao
CORREIO que a mãe trabalhava desde muito cedo na fábrica de fogos de
artifício e que a empresa não oferecia nenhuma segurança aos
funcionários.
A
jovem também afirmou que chegou a receber poucas parcelas da
indenização, em valores pequenos, que não davam para ela e os seis
irmãos se manterem. “No início, eles [os sócios] tiveram alguns bens
leiloados e, após muitas tentativas de acordo, concordaram em pagar as
indenizações. Mas, foram quitadas poucas parcelas e eles pararam de
pagar”, disse.
“Saber
que o caso vai para a Corte dá esperanças a todos os familiares e
membros do Movimento [11 de Dezembro], mas nada vai trazer minha mãe de
volta. A gente coloca tudo na mão de Deus e todas as decisões são
tomadas em equipes, com membros do Movimento. a gente não vai desistir”,
concluiu.
A
ONG Justiça Global afirmou que outros casos de explosões envolvendo
fábricas clandestinas de fogos de artifício já aconteceram em Santo
Antônio de Jesus. Segundo a organização, “em 27 de março de 2007, uma
explosão resultou na morte de Sólon dos Passos, que teve 90% do seu
corpo queimado, em fevereiro de 2008, Roberto Carlos Barbosa dos Santos,
34 anos e Jefferson Ramos Santana, 14 anos, também morreram em
conseqüência de outra explosão em fábrica ilegal de fogos”.
Julgamento
O
julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos deve acontecer
no primeiro semestre de 2019, segundo a ONG Justiça Global, que assina a
denúncia ao lado do Movimento 11 de Dezembro, do Fórum de Direitos
Humanos de Santo Antônio de Jesus e da Rede Social de Justiça e Direitos
Humanos. Atualmente, o Brasil é réu em outros sete casos perante a
corte internacional. Com informações do Correio 24hs.
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