Fernando Jasper, editor da página República da Gazeta do Povo, critica o retorno do país - graças ao governo - aos tempos de Sarney e do Plano Cruzado:
Em sua reação à greve
dos caminhoneiros, o governo foi além do sugestivo slogan “O Brasil
voltou, 20 anos em 2”. Feitas as contas, o país retrocedeu 32 anos.
Retornou aos tempos de Plano Cruzado, tabelamento de preços e “fiscais
do Sarney”.
Michel Temer, que
assumiu a Presidência com um programa chamado “Ponte para o futuro”,
acredita ser capaz de controlar preços. Do mesmo jeito que José Sarney –
outro vice do PMDB, outro recordista de impopularidade – acreditava lá
em 1986.
Para encerrar a
greve, Temer reduziu tributos e criou subsídios (olha o futuro aí!) para
baixar o preço do diesel em 46 centavos nas refinarias. E garante que o
desconto chegará, centavo por centavo, até a bomba, passando incólume
por distribuidoras e postos, cada um com seus custos, margens e
ambições. Por esse caminho, vale lembrar, passa ainda o frete, que agora
também é fixado pelo governo – os caminhoneiros se queixavam de ganhar
pouco num mercado saturado de caminhões e carente de demanda.
A crença de Temer no
poder do tabelamento se reflete nas declarações de seu “ministério de
notáveis”. “Não tenho dúvidas de que os 46 centavos serão repassados”,
disse o secretário-executivo de Minas e Energia, Márcio Félix. O
ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio
Etchegoyen, disse que o governo usará “todo o poder de polícia” para
garantir o repasse.
Como assim “não tenho dúvidas”? Eles combinaram com as distribuidoras e os milhares de postos do país?
E esse “poder de
polícia”? Passará por cima da Constituição, que define a livre
iniciativa como fundamento da República e a livre concorrência, como
princípio geral da atividade econômica?
A mesma Constituição
lista a defesa do consumidor como princípio. E aí entram os Procons, que
estão multando postos por preços considerados abusivos. Uma coisa, no
entanto, é abusar no preço. Bem diferente é não reduzir o valor na bomba
em exatamente 46 centavos.
Aliás, essa queda é
em relação a quê? Ao último valor cobrado durante a greve, quando os
postos que ainda tinham combustível jogaram o preço para as nuvens?
Talvez nem o governo saiba.
Tem mais. As
distribuidoras já estão dizendo que o desconto de 46 centavos ocorre
antes da adição obrigatória de biodiesel. E que por isso a redução a ser
passada adiante, após a mistura, é de no máximo 41 centavos.
Representantes dos postos avisam ainda que, enquanto as bases de cálculo
do ICMS nos estados não diminuírem (a exemplo do que já ocorreu em São
Paulo, Paraná e Espírito Santo), também não há como garantir a queda
toda nas bombas.
A formação do preço,
como se vê, é muito mais complexa do que se supõe no Palácio do Planalto
– que, pressionado pela base, agora pensa também em baratear à força a
gasolina e o gás de cozinha.
De todo modo, caso
Temer e seus notáveis venham mesmo a usar seu “poder de polícia”, os
postos poderão recorrer à Justiça para garantir o direito de cobrar o
que bem entenderem. Quer dizer: o sucesso do tabelamento dependerá, além
das dificuldades já citadas, do tempo que o Judiciário vai levar para
resolver sabe-se lá quantos novos processos.
Represar preços – à
base de tabelas, dinheiro público ou prejuízos de estatais – não
funcionou no Plano Cruzado. Nem no Bresser, no Collor ou no Collor 2.
Nem no governo Dilma, para citar um exemplo bem recente. Experiências
como essas mostram que o represamento, mesmo que funcione no início,
sempre transborda em algum lugar. Mesmo assim, continuamos nos
repetindo, na esperança de que em algum momento dê certo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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