O trágico incêndio
que acabou no desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, de
propriedade da União, no centro de São Paulo, desocupado desde 2001 e
que já foi sede da Polícia Federal, descortina mais uma vez os problemas
da habitação urbana, da população em situação de rua e de movimentos de
habitação que fazem de pessoas desesperadas massa de manobra
político-eleitoral. Felizmente, apenas uma pessoa morreu no desastre e
os desabrigados já encontraram um primeiro conforto na caridade de
vizinhos, que se organizaram rapidamente para prestar os primeiros
auxílios.
Segundo a prefeitura
do município, cerca de 150 famílias com 400 pessoas que moravam
irregularmente no local, um quarto delas estrangeiras, já haviam sido
cadastradas pela Secretaria de Habitação. O Ministério Público decidiu
reabrir o inquérito que investigava as condições de segurança do prédio,
arquivado em março deste ano sem conclusões. Para piorar o quadro, há
notícias de que dois líderes do Movimento de Luta Social por Moradia
(MLSM) recolhiam entre R$ 250 e R$ 400 mensais de aluguel dos moradores.
A prática é comum em movimentos que invadem imóveis e a destinação do
dinheiro, pouco transparente.
De fato, a
precariedade da habitação nos grandes centros urbanos brasileiros não é
novidade. Mais de 400 mil domicílios da capital paulista estão em
favelas e 385 mil, em loteamentos irregulares. Quase 30 mil famílias
recebem auxílio-aluguel da prefeitura de São Paulo, mas os altos valores
na região central da cidade, que concentra as melhores ofertas de
emprego, serviços e lazer, engole a renda das famílias mais pobres e as
empurra para as garras de “lideranças sociais” nem sempre bem
intencionadas.
Tampouco se
desconhece que o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) foi
leniente ao extremo com invasões de propriedade durante sua gestão,
entre 2013 e 2016. Não é razoável que líderes de “movimentos sociais”
que agem ao arrepio da lei e seguem a trilha aberta pelo MST há tantas
décadas sejam louvados como representantes da vontade popular e adulados
pelas autoridades públicas.
Seja como for, o
inchaço urbano é uma realidade que se repete em outras grandes cidades
brasileiras e do mundo todo, que passou por um intenso processo de
urbanização durante o século XX. De acordo com o último censo do IBGE,
de 2010, 84% dos brasileiros vivem em cidades, um número que se
aproximaria de 90%, segundo algumas projeções. Desde 2007, pela primeira
vez na história da humanidade, a maioria da população do planeta vive
em aglomerados urbanos. Esse é um cenário por ora irreversível e que
exige soluções criativas em planejamento urbano e descentralização da
malha metropolitana.
Mas há um problema
urbano ainda mais urgente a ser resolvido, que são as pessoas em
situação de rua, muitas delas em uma condição de miserabilidade da qual
dificilmente poderão sair sozinhas. Em São Paulo, o último levantamento
oficial da prefeitura, divulgado em abril de 2016, apontou 15.095
pessoas morando nas ruas, a maioria na região central. Os últimos
números nacionais sobre o tema, de 2008, identificaram 31 mil pessoas
nessa condição. Uma pesquisa do Ipea, extrapolando dados demográficos de
2015, estima hoje essa cifra em cerca de 100 mil. A falta de dados
consistentes dificulta diagnósticos e soluções.
De todo modo,
estudiosos e gestores que lidam com essas pessoas reconhecem quatro
dificuldades prementes para a solução do problema: desemprego, drogas,
problemas de saúde e violência doméstica, tudo isso agravado pela falta
de uma rede social de apoio. Daí a importância, antes de tudo, de retomar o crescimento econômico e reduzir o desemprego,
além de investir no combate ao tráfico de drogas e em uma política de
saúde e serviço social específica para esse quadrante social.
Por enquanto, a massa
de desassistidos das grandes cidades brasileiras tem vivido entre a
caridade de alguns e o oportunismo de outros. Não é possível tolerar
tamanho desrespeito à dignidade humana. É preciso encontrar uma saída
sustentável, que aposte no resgate urgente daqueles em situação de
miserabilidade, por meio de políticas públicas eficientes, e na
paulatina construção de autonomia por meio do resgate do crescimento
econômico, do fortalecimento do tecido social e de uma organização mais
racional das cidades.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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