"O movimento extrapolou.
Uma ação de força de cunho sindical para negociar uma pauta de
reivindicação — algo já inaceitável, por interferir em serviços
essenciais, protegidos por lei — sequestrou a sociedade para trocá-la
por um resgate constituído por benefícios financiados pelo Tesouro".
Editorial do Globo:
Entre o início da
semana, quando piquetes começaram a agir na estradas, e o pronunciamento
do presidente Temer, na tarde de ontem, comunicando a convocação de
forças federais para barrar o movimento de caminhoneiros e restabelecer o
direito constitucional de ir e vir, houve uma sucessão de fatos
sugestivos.
Ficou evidente, por
exemplo, o erro de avaliação do governo sobre o alcance da paralisação;
deputados e senadores, por sua vez, se mostraram desconectados da
realidade, a ponto de o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB),
tomar o avião para o Ceará, seu estado, na quinta-feira, dia da clássica
revoada de parlamentares de volta para casa. Mas, enquanto isso, o
presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), talvez estimulado pela
condição de pré-candidato presidencial, apressou-se a mobilizar a Casa
para aprovar, quarta-feira, a redução a zero da alíquota do PIS-Cofins
sobre o diesel e a reoneração da folha de salários de vários setores
para compensar a perda de arrecadação.
Eunício foi chamado
de volta, para o Senado aprovar as medidas, o que terminou não
acontecendo, com o acordo a que chegaram governo e supostos
representantes dos caminhoneiros, na noite de quinta. Em vão, porque os
caminhões continuaram parados nas estradas.
Com uma dependência
excessiva do transporte rodoviário, o pais é refém de grupos e
corporações que atuam no setor. Não é a primeira vez que acontece, mas
agora a situação começou a ultrapassar limites perigosos.
A capitulação do
Planalto diante dos caminhoneiros, em um momento de aguda fraqueza
política, foi sacramentada por um pedido de trégua lastreado em diversas
concessões: a Petrobras já havia anunciado um corte de 10% no preço do
diesel durante 15 dias, na quinta-feira, estendido para um mês;
eliminação da Cide sobre o combustível etc. Muitas reivindicações dos
caminhoneiros foram atendidas.
A Petrobras, por meio
do presidente Pedro Parente, alertou, com acerto, que a volta dos
subsídios ao consumo, só com a queda da diretoria. E assim, montou-se a
conhecida engenharia de o contribuinte financiar o subsídio do óleo
diesel de caminhoneiros e donos de caminhonetes de luxo que não saem das
cidades. É um contrassenso num país que acumula déficits primários
anuais acima de R$ 150 bilhões, algo como 2% do PIB. Para evitar que o
rombo se alargue, o governo terá de aumentar impostos ou cortar gastos
num Orçamento engessado por lei.
Mas ontem pela manhã
as estradas continuavam bloqueadas. Os reflexos eram previsíveis:
desabastecimento geral (supermercados, combustíveis e tudo o mais),
transporte urbano em processo de paralisação, aeroportos sem aviões e
assim por diante. Vidas passaram a correr perigo nos hospitais, e outros
serviços básicos entraram em colapso.
Em situações como
esta, mais do que nunca vale a Constituição, para evitar qualquer abalo
na estabilidade institucional. Vários direitos individuais e coletivos
estavam sendo desrespeitados de maneira grave. Temer fez bem em chamar
tropas federais.
Há indícios de que
empresários atuaram nos bastidores para se beneficiar da redução do
preço do diesel, a ser bancada pelo contribuinte, já soterrado por
impostos. E num ano eleitoral, também não surpreende que haja interesses
políticos que tentem se aproveitar do movimento. Tudo precisa ser
investigado, para a necessária cobrança pelas vias legais, como anunciou
o ministro da Segurança, Raul Jungmann.
O importante é a
desobstrução completa das estradas, que já havia sido permitida por
liminares obtidas pela Advocacia-Geral da União (AGU), para que os
sistemas produtivo e de distribuição voltem a funcionar. O arcabouço
jurídico do país tem como manejar com este movimento descabido, e
deveria ter sido acionado mais cedo.
O movimento
extrapolou. Uma ação de força de cunho sindical para negociar uma pauta
de reivindicação — algo já inaceitável, por interferir em serviços
essenciais, protegidos por lei — sequestrou a sociedade para trocá-la
por um resgate constituído por benefícios financiados pelo Tesouro.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário