Não fossem os
agrotóxicos, a humanidade teria sido devastada pela fome. A mentalidade
anticientífica difundida por movimentos ditos verdes combate o uso de
maneira irracional. Escreve Carlos Andreazza no Globo: "a rapaziada
manifestante indignada não leu, não estudou, mas é contra; porque, se
trata de agrotóxico, só pode ser ruim, nocivo, opressor, golpe de
latifundiários":
Tramita no Congresso,
lentamente, a alcunhada Lei dos Agrotóxicos. Urgentíssima, para
substituir a legislação de 1989, cuja defasagem põe em risco não o
interesse de Blairo Maggi, mas o do brasileiro que compra milho no
mercado. Desnecessário dizer, porém, que a proposta vai longamente
amaldiçoada. Em trânsito de lesma na Comissão Especial da Câmara,
ensejou, nas últimas semanas, novos protestos apaixonados dos
bem-intencionados de sempre — aquela espécie humana peculiar que tanto
mais esbraveja quanto mais desconhece o assunto.
Sim, sei que é
exercício difícil para os exemplares dessa praga, mas a leitura do texto
do projeto — geralmente é assim (vale experimentar) — explica seu
objetivo: em suma, agilizar o registro de pesticidas mais modernos aqui.
Bom, né? Não. A rapaziada manifestante indignada não leu, não estudou,
mas é contra; porque, se trata de agrotóxico, só pode ser ruim, nocivo,
opressor, golpe de latifundiários multinacionais, e pronto: arma-se a
gritaria. A cena seria surrealista não tivesse pilares metodológicos
clássicos a serviço da confusão e da ignorância tragicômicas: aqueles
que lutam historicamente contra o uso, no Brasil, de defensivos
agrícolas já superados em outras nações são os mesmos que ora lutam
contra a lei que permitiria a rápida modernização dos defensivos
agrícolas utilizados neste país.
Que tal?
Curioso e triste
torrão é o Brasil, este cuja principal vocação econômica, a
agropecuária, desenvolvida pari passu com a melhor tecnologia,
distribuidora de riqueza e geradora de milhões de empregos, muitos dos
quais com altíssima especialização, é criminalizada pelos mistificadores
senhores do discurso da “oportunidade para todos”. Não é incoerência,
porém. Há método — insisto.
Sob a mobilização de
poderosos grupos de pressão ideológicos, a militância dos hábitos
virtuosos encontra fluente caminho para se impor e transtornar quando
consegue infiltrar sua cultura de desinformação, via de regra alarmista,
nos costumes da população. Quase sempre consegue, com luxuosa
contribuição de artistas, jornalistas e outros patriotas do apocalipse.
Sobre a produção de alimentos, a deturpação é especialmente depravada.
Amedrontado pela propaganda mentirosa do onguismo mais lucrativo, o
brasileiro médio foi convencido de que a comida que lhe é oferecida é
ruim, talvez mesmo envenenada. Não é isso? Quem nunca se deparou com a
impostura segundo a qual aqui se consumiria, individualmente, cerca de
cinco litros de pesticidas por ano?
Em que espécie de
hortinha mental-moral elitista vive essa gente leviana que propaga a
produção quimérica de alimentos orgânicos em larga escala como salvação
de uma humanidade contaminada? Quando se deu a perversão de valores por
meio da qual hábitos individuais de ricos, não raro exóticos (talvez
fanáticos), práticas matematicamente insustentáveis para o conjunto da
sociedade, tornaram-se ativismo autoritário — para muitos entre os
religiosos da pureza razão da própria existência — vendido em nome da
saúde alheia ainda que sem a mais mínima comprovação científica?
O que se sabe,
seguramente, sobre o alimento orgânico: que não tem vantagem,
nutricional ou de sabor, sobre o produto convencional, e que é muito,
muitíssimo, mais caro, isso como consequência da produtividade
fundamentalmente menor, de crescimento representativo impossível, daí
por que, por definição, coisa de abastados — que semearia a fome caso
dele dependesse a subsistência mundial. Ou seja: o pobre, para comer,
para se nutrir, precisa de pesticidas, e isso — atenção — não lhe faz
vítima, mas cidadão plenamente, como só raramente, beneficiando-se da
inclusão, da inclusão prática, objetiva, permitida pela tecnologia.
Só no Brasil, aliás,
defensores agrícolas, glórias da ciência, são chamados de agrotóxico,
palavra essencialmente enviesada, criada e difundida para distorcer —
para plantar na percepção das pessoas a ideia farsante de que pesticidas
são instrumentos garantidores da expansão produtiva irresponsável
decorrente da ganância da máfia dos grandes produtores rurais. Não é
assim? A verdade, no entanto, é outra: a química aplicada no campo
dominou pragas antes consideradas invencíveis, trouxe estabilidade,
previsibilidade, às safras, que batem sucessivos recordes, e criou as
condições para que o cultivo, por exemplo, de arroz e feijão precisasse
hoje de três vezes menos terra que há 40 anos — e tudo isso para
entregar comida barata, farta e de boa qualidade.
Curioso e triste país
é o Brasil, este cuja gente que concebeu o Bolsa Família, e que zela
pela renda do pobre, investe na narrativa que demoniza a agropecuária —
atividade cuja excelência leva comida saudável e em conta à mesa do
brasileiro real, aquele para quem programa de culinária na tevê é obra
de ficção tão distante quanto o reino da Dinamarca, “nação mais orgânica
do mundo”, onde a fatia desses produtos do mercado, contudo, não chega a
8%, e a alimentação das pessoas não é aparelho para terrorismo
ambiental.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário