domingo, 1 de abril de 2018

No caso do habeas corpus de Lula, o Supremo criou seu próprio embaraço


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Charge do Newton Silva (newtonsilva.com)
Gustavo Müller
O Globo

O que se vê nas redes sociais são os mais variados comentários contra ou a favor da prisão de Lula. Na maioria das vezes trata-se de postagens que podem produzir um impacto visual, dando a impressão de que a grande questão nacional é ver, ou não, Lula atrás das grades. Escapa às lentes do cidadão medianamente informado que, embora o debate sobre as sanções penais a serem impostas a um ex-presidente da República seja algo de extrema relevância, o que está em jogo é uma tremenda insegurança jurídica criada pelo próprio STF.
Responsável pela interpretação da Carta Magna, o Supremo Tribunal Federal encontra-se hoje dividido entre os “garantistas” e os adeptos da “lei em movimento”.
BENEFÍCIO AO RÉU – A primeira corrente, encabeçada pelo decano Celso de Mello, posiciona-se pelo acesso do réu a todas as garantias de recursos processualísticos, e se guia por uma interpretação restritiva do Código Penal. Para os garantistas não existem dúvidas hermenêuticas que não aquelas que beneficiam o réu.
Do outro lado, liderados por Barroso, estão os adeptos da “lei em movimento”. Para estes não há dogma que não possa ser reinterpretado e aplicado conforme as circunstâncias, mesmo que isso implique em um relativismo esdrúxulo.
Os primeiros “achados na rua” se manifestaram durante o processo do Mensalão. Ali não estava nitidamente delineado o conflito entre Kelsen e Carl Schimitt, mas a criação jurídica em torno de Claus Roxin somente não ofuscou de todo Ferrajoli quando Celso de Mello proferiu o famoso voto pelo cabimento dos embargos infringentes.
DELINQUENTES – Ocorre que daquele julgamento para cá o ativismo jurídico se apresentou na transmutação exagerada da judicialização da política. A Ação Penal 470 foi apenas a ponta do iceberg. O esquema do Petrolão e as sucessivas ações da Lava Jato mostraram simplesmente que o arcabouço jurídico não dispunha de normas capazes de conter uma classe politica composta majoritária e ecumenicamente de delinquentes dispostos a saquear o erário público.
Em outras palavras, ou se “alargava” a margem da interpretação do Código Penal, ou se criava uma situação de impunidade a qual a sociedade teria que arcar com o custo em nome de um conceito por demais abstrato de Estado Democrático de Direito.
Uma parte do judiciário, principalmente de primeira instância, preferiu correr o risco do alargamento. Dessa opção surgiram situações de fatos que pressionaram o STF para que este se posicionasse pelo “garantismo” ou por situações concretas.
LAVA JATO – Não é o caso aqui de enumerar os casos, mas o cumprimento da pena a partir de sentença proferida em segunda instância foi um dos pilares da Lava Jato, pois, do contrário, todos os réus poderiam recorrer em liberdade e continuar a cometer delitos.
Em 2016 numa votação apertada os adeptos “lei em movimento” fizeram prevalecer que o início da execução da pena a partir de sentença de segunda instância não seria prejudicial ao princípio da presunção da inocência garantido nos incisos do artigo 5 da Constituição. O argumento sustentava que a presunção da inocência se “esvaziava” ao longo do processo e, portanto, o julgamento por um órgão colegiado seria o suficiente para referendar o início da execução penal não impondo nenhuma obstrução aos recursos que o réu teria direito de interpor nos tribunais superiores.
ILUMINISTA – Tal interpretação, embora sociologicamente adequada à realidade brasileira, parece bastante frágil do ponto de vista constitucional, visto que no Brasil não vigora o “direito penal do inimigo”, e sim uma visão, digamos, “iluminista” na qual o objetivo final da punição é reintegrar o condenado à vida em sociedade.
É nesse contexto que se dará o julgamento do habeas corpus de Lula. Além de se tratar de um ex-presidente e de um politico com forte influência, o resultado do HC de Lula poderá abrir ou fechar as celas de Curitiba.
Longe das posições binárias em relação a Lula o que é preciso ter claro é o peso que recai sobre o STF. Trata-se de mandar, ou não, para a prisão uma figura dessa magnitude (o que não quer dizer inocente) com base em uma jurisprudência precaríssima.
NOVO MANDELA? – Lula preso pode se transformar em uma versão latino americana de Nelson Mandela e garantir para o PT, senão bons resultados eleitorais, ao menos a sobrevida do mito. Lula solto não poderá concorrer, mas poderá ser o elo que faltava no “pacto para estancar a sangria”, esvaziando a narrativa do golpe.
Seja qual for o resultado, o STF não sairá incólume ao embaraço de ter feito o papel de Robespierre. Por mais forte que seja o clamor popular, e por mais gritante que sejam os escândalos de corrupção, o custo do afastamento da Constituição é enorme.
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