O recente adiamento por 13 dias da
análise do caso do ex-presidente Lula pelo STF (Supremo Tribunal
Federal) reacendeu o debate sobre a discrepância entre o calendário de
trabalho do Judiciário e o da população.
Um conjunto de regras editadas durante e
entre as ditaduras do Estado Novo (1937-1945) e militar (1964-1985)
permite aos 11 ministros da corte 88 dias de descanso ao ano, além dos
sábados e domingos, norma que se estende a todos os magistrados.
Passava das 19h do último dia 22 quando o
STF decidiu que não julgaria naquele dia o habeas corpus preventivo
pedido pela defesa de Lula, condenado em segunda instância na Lava Jato.
A escolha pelo adiamento foi movida,
entre outros motivos, pelo apelo do ministro Marco Aurélio, que exibiu
passagem aérea de viagem ao Rio, onde participaria de evento da Academia
Brasileira de Direito do Trabalho.
A retomada, porém, não ocorreu no dia
seguinte, uma sexta-feira, porque os ministros não fazem sessões às
segundas nem às sextas.
O julgamento também não foi marcado para
a semana seguinte. Lei de 1966 estabelece que, diferentemente da
maioria da população, cuja garantia de folga se resume à Sexta-Feira da
Paixão, a Semana Santa dos juízes engloba a quarta e a quinta.
Como as sessões plenárias do Supremo
ocorrem apenas às quartas e quintas, marcou-se o julgamento do caso Lula
para a semana posterior, no dia 4 de abril.
Os ministros e demais juízes do país têm
direito a 60 dias de férias ao ano. No caso do Supremo, elas acontecem
em janeiro e julho. Para cada um desses períodos, os 11 ministros
recebem duas vezes o adicional de um terço do salário (R$ 11.254, para
um salário de R$ 33.763), totalizando R$ 22,5 mil ao ano.
Alexandre de Moraes, por exemplo,
assumiu a cadeira de ministro do STF em março do ano passado. Pouco mais
de três meses depois, chegaram as férias de julho e ele recebeu o
adicional de um terço relativo a elas, mais antecipação de metade do
décimo-terceiro salário. Total de seu contracheque na ocasião: R$ 57,7
mil.
Além das férias, há o recesso de fim de
ano, de 20 de dezembro a 6 de janeiro, norma prevista na mesma lei
5.010, de 1966, que organiza a Justiça Federal.
DIAS ÚTEIS
Os magistrados contam também com 18
feriados ao ano, seis a mais do que a população em geral —dois a mais na
Semana Santa, um feriado forense em agosto, o dia do servidor (28 de
outubro, fruto de decreto do Estado Novo), a véspera de Finados e 8 de
dezembro, dia consagrado à Justiça.
Excluídas as interseções entre férias,
feriados e recesso, chega-se aos 88 dias de descanso, o que resulta em
196 dias úteis ao longo do ano —contra 227 em outras áreas do serviço
público e na iniciativa privada.
O argumento usado por integrantes de entidades representativas da magistratura é que a carga de trabalho dos juízes é imensa, normalmente extrapolando para horários fora do expediente e para dias de descanso. Além disso, afirmam, o peso da responsabilidade é superior ao da maioria das outras profissões.
O argumento usado por integrantes de entidades representativas da magistratura é que a carga de trabalho dos juízes é imensa, normalmente extrapolando para horários fora do expediente e para dias de descanso. Além disso, afirmam, o peso da responsabilidade é superior ao da maioria das outras profissões.
“Os juízes não recebem hora extra por
trabalharem além do horário previsto. É do conhecimento de todos que os
juízes são obrigados a despachar processos fora do expediente, inclusive
aos sábados e domingos. Nenhum plantão de juiz é remunerado, quando
muito conseguem uma compensação sem nenhum acréscimo”, afirmou o
presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), Roberto
Veloso.
A assessoria da presidente do STF,
Cármen Lúcia, disse que ela não se manifestará sobre o calendário dos
magistrados porque pode ter que julgar o tema caso ele seja levado ao
CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que ela também preside, ou ao
próprio Supremo. Não houve manifestação também dos demais ministros.
No caso do STF, um deles fica de plantão nos períodos de férias e recesso.
COTA AÉREA
A maior parte dos 11 ministros passa os
fins de semana fora de Brasília, em seus estados de origem, usando nesse
deslocamento a cota aérea de R$ 51.889,70 a que cada um deles tem
direto ao ano.
Ricardo Lewandowski e Luiz Fux, por exemplo, usaram praticamente todo o
valor da cota em 2017 para viagens a São Paulo e Rio de Janeiro
—respectivamente, estados onde têm residência.
Também com gastos de passagem para seus estados, Edson Fachin (Paraná) e
Alexandre de Moraes (São Paulo) usaram valores expressivos da cota em
2017, cerca de R$ 40 mil.
Dos 11 ministros, apenas Cármen Lúcia,
Marco Aurélio Mello e Celso de Mello não utilizam a cota aérea. Por
comandar um poder, Cármen tem direito a uso de aeronave da Força Aérea
Brasileira, mas segundo sua assessoria só a utiliza para compromissos de
trabalho.
A assessoria do tribunal afirma ainda
que o uso da cota é permitido para deslocamento de ministros a seus
estados de origem ou qualquer outro lugar, sem necessidade de
justificativa, já que eles podem despachar e tomar decisões a distância,
a qualquer momento, registrando-as de forma eletrônica.
Os ministros têm ainda à sua disposição
carro com motorista (Hyundai Azera), inclusive para compromissos
particulares —por questões de segurança, afirma a assessoria— e imóveis
funcionais em Brasília.
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