Ricardo Vélez-Rodríguez, do blog Rocinante, traça um duro panorama da América Latina, a começar pelo Brasil:
Neste conturbado
início de milênio uma das características que aparece com maior
claridade é esta: a América Latina corresponde ao Ocidente Profundo e
ali tem vigência o estado mais agressivo de violência continuada no
panorama mundial.
O panorama é
desolador: a América Latina é a área do Planeta onde mais pessoas são
assassinadas por ano. Somente no Brasil (para falar da realidade que
mais de perto conheço) temos uma estatística alarmante: 60 mil
assassinatos anuais. Essa soma equivale a uma guerra de grandes
proporções. Como pano de fundo dessa terrível situação que afeta
indistintamente ao Brasil, ao México, à Colômbia, à Argentina, à
Venezuela, etc., temos um traço cultural comum: o Estado
tradicionalmente foi entendido como propriedade de uma minoria que
privatizou o poder em benefício próprio, com exclusão violenta do resto.
É o perfil do Patrimonialismo, aquela perversa herança ibérica, que nos
levou a entender o poder como bem de família a ser distribuído entre
amigos e apaniguados, a fim de que estes vingassem como minorias
privilegiadas, enquanto a grande maioria ficava do lado de fora dos
favores do Estado. O caso mais extremado dessa visão apocalíptica é hoje
a Venezuela, literalmente em liquidação pelos corruptos "donos do
poder" identificados com os seguidores do Chavismo e do Madurismo.
As últimas décadas
assistiram a uma transformação dos parâmetros da violência: ao passo que
nos decênios anteriores a divisão entre latino-americanos seguia a
pauta das velhas lutas ideológicas que ensanguentaram o século XX, nos
últimos quarenta anos essa disputa foi se polarizando ao redor da
indústria do narcotráfico que passou a preencher os buracos financeiros
deixados com o fim da guerra fria e a queda do Muro de Berlim. As
guerrilhas tradicionais do continente sul-americano eram financiadas
pelo bloco comunista. Com a dissolução da União Soviética e ao ensejo
das reformas modernizadoras empreendidas pelos comunistas chineses sob a
batuta de Lin-Xiao Ping, as coisas mudaram de rumo. Os narcotraficantes
passaram a ocupar o lugar de financiadores dos grupos armados, como
ocorreu na Colômbia ao ensejo da reorganização das FARC, com vistas à
tomada do poder no longo conflito dos últimos 30 anos. Dessa
transformação não escapou Cuba, com a aproximação das lideranças
comunistas desse país em relação aos narcotraficantes. O drama do
general Ochoa, fuzilado pelo regime cubano, mostra até que ponto foi
profunda dentro da estrutura do Estado essa aproximação. Ochoa caiu
quando ficou evidente demais a vinculação do patrimonialismo castrista
com os narcotraficantes. Mas a opção pelo financiamento a partir do
banditismo dos narcóticos permaneceu firme entre as FARC e outros grupos
guerrilheiros colombianos.
No Brasil, foi
aparecendo cada vez mais a incômoda proximidade entre militantes
partidários e setores do crime organizado no interior do Estado de São
Paulo ou na Baixada Fluminense. O eixo de exportação de narcóticos, no
Brasil, ao se deslocar do sudeste do país para as regiões norte e
nordeste, carregou consigo o cenário de morte e destruição que hoje
afeta as cidades do interior nordestino e da hinterlândia amazônica.
Hoje, com o crack presente em 97% dos municípios brasileiros, o aumento
da criminalidade está garantido.
No México, ao longo
das últimas duas décadas, revelou-se a capacidade do crime organizado
para cooptar setores cada vez maiores da sociedade nos novos cartéis
que, como os Zetas, deixavam ver a vinculação com amplos setores da
corrupta burocracia estatal. A onda de violência que se alastrou pela
América Central revela de que forma esse empoderamento dos grupos narco
terroristas no México era capaz de mudar a dinâmica social dos pequenos
países centro-americanos, hoje reféns da grande empreitada do tráfico de
drogas.
No Brasil, ao longo
dos últimos quinze anos, a ascensão do Partido dos Trabalhadores ao
poder reforçou o velho patrimonialismo que utilizava as benesses do
Estado para enriquecimento dos atores políticos, tendo chegado à
sistematização dos esquemas de enriquecimento ilícito, com a cooptação
das grandes empreiteiras pelo partido do governo, ao ensejo dos
episódios do denominado "Mensalão" e da megaoperação de desvio de
recursos públicos desvendada pela Operação Lava-Jato. Tudo isso, em
lugar de fazer diminuir os índices de violência, levou a que esta
crescesse com maior celeridade ao caírem pelo chão as barreiras da
moralidade pública. A esquerda literalmente naufragou no Brasil, como
explicitou com lucidez um intelectual esquerdista da talha de Wanderley
Guilherme dos Santos.
Não assusta, assim, a
constatação da dialética latino-americana entre civilização e
barbárie, que o grande Domingo Faustino Sarmiento já evidenciava na sua
obra Facundo (1846). Com a predominância, nesta dramática quadra da
história latino-americana, da barbárie sobre na civilização.
Nessa luta,
destacam-se pela sua tentativa de consolidar o convívio civilizado e
democrático por sobre o pano de fundo da criminalidade e a exclusão
latino-americana, o Chile (que conseguiu consolidar e manter a
alternância no poder), a Argentina (que com o atual presidente Macri faz
as reformas essenciais) e a Colômbia (na heroica luta para derrotar os
cartéis do narcotráfico e da narcoguerrilha e os esforços em prol da
retomada do desenvolvimento e da reconstrução do tecido social após
décadas de conflito).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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