‘O senhor tem inimigos?” — quis saber o historiador Emil Ludwig.
“Devo ter, mas não tão fortes que não possa torná-los amigos”, respondeu.
“E amigos?”
“Claro que os tenho,
mas não tão firmes que não venham a se tornar inimigos” — replicou
Getúlio Vargas em conversa reproduzida pelo escritor Lira Neto.
Acostumado a se
perfilar como último herdeiro político de Vargas, Lula escolheu caminho
inverso: agora reivindica inimigos, depois de 36 anos apresentando-se em
palanques como candidato da conciliação e, no governo, como mediador de
conflitos.
Gastou a semana
passada exaurindo-se entre insultos às legiões deles nas praças públicas
de cidades do Sul. Inclusive em São Borja (RS), onde a família Vargas o
impediu de fazer um comício à beira do mausoléu do caudilho que uniu o
estado, irradiava respeito e cujo senso de dignidade do poder era
reconhecido até pelos adversários. Em Chapecó (SC), irado com ovos,
advertiu a oposição: “A gente vai dar é porrada se não respeitar a
gente.” A primeira vítima, claro, foi um jornalista.
Ontem, em Porto
Alegre, no julgamento de sua apelação, revelou-se que Lula registrou no
tribunal federal como “inimigo” o juiz Sérgio Moro, por condená-lo em
crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Amanhã deve fazer
escala em Curitiba, onde pela primeira vez discursou como candidato, sem
saber a qual cargo concorreria (pouco depois entrou na disputa pelo
governo de São Paulo, e perdeu). Naquele março de 1982, Lula desfilou
precedido de uma banda até o palanque improvisado na área da Boca
Maldita, no centro da cidade. Ali estreou o figurino de líder da
conciliação, agora carbonizado.
Hoje o mundo de Lula
estará diferente: poderá continuar se proclamando candidato à
Presidência, mas sabe que sua inelegibilidade está configurada, porque a
lei eleitoral impede a candidatura de condenados com sentença
transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado. Ainda
pode recorrer, com base na Lei da Ficha Limpa — aprovada sob aplausos do
PT —, para tentar se manter no páreo pelo menos até o fim do calvário
judicial.
O tribunal confirmou,
também, autorização de prisão, para cumprimento em regime fechado da
pena de 12 anos e um mês de prisão, além de multa superior a R$ 1 milhão
com correção monetária. O salvo-conduto dado pelo Supremo impede a
detenção até quarta-feira da semana que vem, quando deve concluir o
julgamento do seu habeas corpus.
O desfecho do caso
Lula é imprevisível. Porque, além do nome na capa do processo, a rotina
no Judiciário é a da rediscussão de processos encerrados ou transitados
em julgado. O Supremo mantém abertas 33 “portas” para recursos — informa
a FGV Direito.
No Superior Tribunal
de Justiça, ao qual Lula deverá recorrer, há uma coletânea de clássicos
com mais de dez anos de sucessivos recursos. Um deles tem sumário
(“ementa”), onde se lê: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.”
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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