terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Discurso do ódio está liberado. Contra a direita, claro.


Em filmes, romances, músicas e arte, progressistas assassinam brancos e policiais. Se for o contrário, é racismo e intolerância. Artigo de Victor Davis Hanson, professor do Hoover Institution, em Stanford, publicado pela Gazeta do Povo:


Vivemos em uma sociedade em que a violência gratuita é marca registrada de videogames, filmes e música popular. Matar e atirar, com requintes sórdidos, se tornou o prato do dia a dia do que há de mais baixa qualidade em audiovisuais e discursos.

Fomos do retrato realista de mortes violentas nos filmes do diretor Sam Peckinpah para o ritual sangrento de metal cortando a carne, como se fosse um tipo de balé macabro. O rap institucionalizou a violência contra as mulheres e a polícia – obtendo bilhões de lucro, em grande parte como meio de crianças suburbanas encontrarem uma autenticidade vicária das ruas. E essa ideia de cortar, sangrar ou atirar metaforicamente em quem você não gosta sem consequências reais entrou no diálogo político internacional.

Por exemplo, por que a cultura popular acena e concorda com a difusão do assassinato metafórico de presidentes do Partido Republicano? A esquerda costumava acreditar que as palavras tinham poder e as imagens tinham consequências; a glorificação casual da carnificina trivializou a violência e apenas tornou-a mais aceitável – e mais provável.

Em 2017, o ódio obsessivo a Trump levou, por exemplo, a muitas obscenidades: Madonna nos contou que ela sonhou em explodir a Casa Branca, a comediante Kathy Griffin posou com um fac-símile ensanguentado da cabeça de Trump, Snoop Dogg atirou em um sósia de Trump em um vídeo, uma companhia shakespeareana esfaqueou ritualisticamente Trump-César no palco todas as noites, Johnny Depp fez a piada: “Quando foi a última vez que em um ator assassinou um presidente? (...) Já faz algum tempo, e talvez esteja na hora”.

Mas essa moda de matar não é algo novo – e nem é resultado dos tweets muitas vezes descuidados ou explosões indisciplinadas de Trump.

Em 2012, um modelo da cabeça do ex-presidente George W. Bush apareceu em uma estaca na série da HBO, Game of Thrones – “por acidente”, é claro. Mas naquela época, a moda de matar Bush já era um gênero exaustivo. No calor das eleições de 2004, Alfred. A. Knopf havia publicado o romance de Nicholson Baker, “Checkpoint”. Era pouco mais que um diálogo entediante entre personagens sonhando em como assassinar o presidente Bush. 

(Agora foi “atualizado” por To Kill a President, do escritor britânico Jonathan Freeland, um suspense sobre o assassinato de um presidente parecido com Trump.) 

Em outubro de 2004, muito tempo antes do discurso de Johnny Depp sobre John Wilkes Booth, o colunista convidado do Guardian, Charles Booker, lamentou que não havia um assassino presidencial para matar Bush: “John Wilkes Booth, Lee Harvey Oswald, John Hinckley Jr. – onde vocês estão agora que precisamos de vocês?”.

A lista de expressões públicas de “assassinar Bush” poderia ser expandida – elas apareceram em uma variedade de gêneros, como o “docudrama” de 2006 de Gabriel Range, “A Morte de George W. Bush”, que retratava o assassinato bem-sucedido em 2007 de George W. Bush (que teve a cena de um funeral presidencial incluída na trama).

Era Obama

Entre a moda de matar Bush e a moda de matar Trump, um hiato mais calmo durante os oito anos de mandato de Barack Obama. É verdade que seus críticos muitas vezes foram rudes, questionando sua certidão de nascimento e cavando histórias de sua juventude supostamente dissoluta. Mas nunca houve, graças a Deus, uma moda de assassinato entre celebridades e na cultura popular associada a Obama, apesar das reações fortes que ele geralmente provocava. Se tivesse existido alguma coisa como “Checkpoint” ou “Morte de George W. Bush”, entre 2009 e 2017, o artista transgressor em questão teria sido arruinado, talvez levado aos tribunais e preso como o cineasta bengasiano Nakoula Basseley Nakoula, ou transformado em bode expiatório ou pelo menos vigiado como os jornalistas Sharyl Attkinson e James Rosen.

O que ocorreu foi bem diferente: o ganhador do Nobel, Obama, ganhou hagiografia, com jornalistas hiperbolicamente comparando-o a Deus ou entusiasmados de que ele era capaz de deixar as pernas bambas com seus discursos. Essa devoção foi constantemente encorajada pelo próprio Obama, que havia anunciado sua intenção de resfriar o planeta e diminuir o nível do mar (considerando os invernos gélidos recentes no interior da América e os canais quase secos de Veneza, ele talvez tenha conseguido um sucesso parcial).

Na verdade, Obama foi rodeado de uma onda forte, comparada com aquela que queria matar os republicanos, mas com direção totalmente oposta.
Em janeiro de 2016, Obama recebeu o rapper Kendrick Lamar na Casa Branca. (O hit “How Much a Dollar Cost”, de Lamar, teria sido a música favorita de Obama em 2015). Outra música de Lamar, “BLOOD” (com a letra “and we hate the popo” – “e nós odiamos a polícia”, em tradução livre) atacou a polícia em uma época em que a os tiroteios policiais estavam nos noticiários. A capa do álbum lançado por Lamar na época, “To Pimp a Butterfly”, representava uma dúzia de jovens afro-americanos no gramado em frente à Casa Branca, comemorando com champanhe e notas de cem dólares o cadáver de um juiz branco aos seus pés, que lembrava Ronald Reagan.

Inverta os papeis e imagine um convite à Casa Branca de um cantor de country que houvesse produzido uma capa com homens brancos sobre um negro e seria esperado da opinião pública nada menos que um clamor por impeachment. Suponho que a arte de capa de Kendrick tentava insinuar que a revolução teve sucesso – os velhos guardas brancos não apenas haviam desaparecido, mas, felizmente, estavam mortos e havia chegado a hora de trazer o dinheiro e as bebidas para comemorar o novo guarda na Casa Branca.

Ignorar a arte racista de Lamar e as letras antipolícia é como tirar uma foto em 2005 com Louis Farrakhan (“Os judeus falam ‘nunca mais’. (...) Você não pode falar ‘nunca mais’ para Deus porque quando ele te coloca no forno, você realmente está no forno! (...) ‘Nunca mais’ não significa uma coisa maldita quando Deus prepara isso para você!”). Abraçar Lamar deu confiança popular para Obama, mas com negação plausível: afinal, uma figura pública não pode ser responsável por todas as expressões emocionais de um artista ou ativista social.

Mais recentemente, Obama revelou seu retrato presidencial feito pelo artista da moda atual Kehinde Wiley. Wiley é um artista conceitual de política de identidade que enfatiza a própria identidade negra e gay como essencial para seu trabalho. Ele já havia atraído controvérsia em duas ocasiões por recalibrar pinturas famosas do passado – retrabalhando as cenas de violência com uma estética inter-racial. Nessas duas pinturas, uma mulher negra com uma espada na mão está segurando a cabeça decepada de uma mulher branca que ela acabou de decapitar. Ou como Kehinde Wiley descreveu seus decepamentos de brancos por negros para a revista New York, “é meio que uma brincadeira com aquele negócio de ‘mate o branquinho’”.

Justificando o ódio

O que explica as regras de um gênero nojento de moda de assassinato, decapitação ou morte? Presidentes de direita são alvos, enquanto Obama flerta com aqueles que desenvolvem artisticamente fantasias de assassinados inter-raciais. E as regras nas últimas décadas parecem muito claras:

1) Por sua natureza supostamente imoral, a direita mereceu tais invenções de fantasias obscenas (Trump com ferimentos de faca mortais e a cabeça de Bush em uma estaca são quase naturais).

Em contraste, os líderes de esquerda são pessoas morais. Até mesmo fantasiar que os seus líderes possam sofrer o mesmo destino é repugnante. Os meios são diferentes porque os fins também são: igualdade e justiça social versus privilégio branco e exploração. De modo simplificado: para alcançar agendas progressistas, é possível explorar todos os caminhos violentos da imaginação.

2) Considerando a longa história de opressão racial nos Estados Unidos, não pode haver limites para a contextualização “e se os papeis se invertessem?” (por exemplo, um artista pop sem talento, com um histórico de substituir negros por vítimas brancas em pinturas famosas de decapitação, explicando que as inversões eram uma espécie de brincadeira com “aquele negócio de matar negros”). Imaginar ou retratar decapitações de brancos ou o assassinato de um presidente do Partido Republicano é um grito angustiado e garantido do oprimido, enquanto reverter os papeis raciais seria uma prova de que o racismo permanece. O mundo da arte por natureza se posiciona como uma antítese às estruturas de poder; imaginar que ele ativaria forças de justiça social no sistema não é apenas irrealista, mas também absurdo.

3) Assassinar metaforicamente um Bush ou Trump não tem ramificações na vida real. Abaixar o nível do que é culturalmente aceitável não tem nada a ver com a violência, como a de um eleitor de Bernie Sanders atirando no deputado Steven Scalise e em colegas congressistas do Partido Republicano. Mas no caso de alvos progressistas, diminuir o nível pode ter consequências reais, considerando a propensão inata da direita ao ódio e à violência.

Traduzindo, isso significa que o sóbrio e doce Obama pode incentivar seu lado de exploração cultural – e em seu tom usualmente judicioso – enquanto não se preocupa com a moda de matar de Kendrick Lamar ou Kehinde Wiley, que ele apadrinha. Tudo isso é uma expressão ousada e bem-vinda de autenticidade e versatilidade presidencial.

E talvez do mesmo modo distorcido, também é assim a arte de assassinar ritualisticamente Bush ou Trump em filmes, arte e literatura, por meio de facas, balas e bombas: criticando artisticamente – e tudo por uma causa nobre.

* Colaborador da NRO, Victor Davis Hanson é associado sênior na Hoover institution e autor, mais recentemente, de “The Second World Wars: How The First Global Conflict Was Fought and Won” (“As Segundas Guerras Mundiais: Como o primeiro conflito global foi lutado e vencido”, em tradução livre).

©2018 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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