quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

COMUNISMO E FASCISMO, TUDO A VER

por Percival Puggina. Artigo publicado em

Um dos mais lúcidos intelectuais do século XX, Ignazio Silone, depois de militar no Partido Comunista Italiano, tornou-se um profeta do fim do marxismo, rompendo com o PCI para se manter “fiel a certas verdades incorruptíveis”. Em 1931 ele foi procurado por Palmiro Togliatti, que tentava evitar sua saída do partido. Como os argumentos de Togliatti incluíssem a defesa das “inexoráveis formas históricas de ação”, mesmo que parecessem abomináveis, Silone retrucou: “E esquecer, para o êxito da luta, os motivos pelos quais entramos nela?”.
Quando foi armada a trama que empurrou Trotski para o exílio onde acabou assassinado, Stalin incumbiu o búlgaro Vasil Kolaroff de ir à Itália para justificar aos comunistas italianos o que estava acontecendo. Dadas as explicações, Vasil voltou-se para Silone: “Fui claro?”. E Silone respondeu: “Sem dúvida”. “Ficou persuadido?”, insistiu o búlgaro. “Não!”, retrucou Silone. “Por que não?”, quis saber o embaixador de Stalin. “Para responder-lhe, eu teria que expor as razões pelas quais sou contra o fascismo”, arrematou, áspero, o italiano.
Anos mais tarde, convertido ao cristianismo, Silone escreveria em “Vino e pane” (1955): “A futura revolução russa provavelmente terá como palavra de ordem a afirmação de que o marxismo é o ópio do povo”. O ópio, como se sabe, turva a memória e a consciência.
Essa profecia não se concretizou na totalidade, mas o fato é que o marxismo perdeu seu protagonismo em todas as esferas de poder e a “futura revolução russa” veio três décadas mais tarde na libertação em cascata que extinguiu a União Soviética e reduziu o poder da Rússia. O marxismo a que se referia Silone virou caldo de cultura para as vanguardas do atraso em países do Terceiro Mundo. A história comprovou, em todos os casos, que comunismo e fascismo são iguais quanto aos meios.
As manifestações em defesa do presidente Lula, para lhe proporcionar alguma credibilidade, precisam não apenas do descrédito das instituições, mas do total aniquilamento do senso comum. Lembrei-me, por isso, dos diálogos acima descritos. Como reagiria Ignazio Silone se tivesse ouvido, ainda como homem de esquerda, as explicações da militância lulista? Ficaria ele persuadido? Certamente, não. Contudo, a mesma inconsistência que o italiano identificava no comportamento de seus camaradas se repete no Brasil, fazendo com que a ideologia, qual ópio do povo, turve o senso crítico dos companheiros, se sobreponha às evidências, faça esquecer os motivos pelos quais dizem lutar e resulte em algo tão análogo ao fascismo. E tudo é feito em nome das “inexoráveis formas históricas de ação”.
Nota do autor: Aos 60 anos da revolução cubana, estou ultimando uma nova edição ampliada e atualizada de “Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.
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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

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