"O feminismo
contemporâneo é tão reacionário como o machismo neandertal: ambos tratam
as mulheres com a mesma condescendência. Ambos olham para as mulheres
como o "sexo fraco". Coluna de João Pereira Coutinho na Folha de São
Paulo:
Passei as
festividades natalinas lendo Camille Paglia. Não sei se é pecado. Talvez
seja. Mas que alegria –e que prazer!– ler uma feminista com atividade
cerebral completa, que não se limita a defender a dignidade das mulheres
–mas a dos homens também.
O título da sua
coletânea de ensaios –"Free Women, Free Men: Sex, Gender, Feminism"
(libertem mulheres, libertem homens: sexo, gênero e feminismo)– diz
tudo: queremos uma sociedade de mulheres e homens livres –ou uma farsa
infantil onde as mulheres são tratadas como espécies protegidas e os
homens como selvagens inimputáveis?
O feminismo de
Paglia, que provoca horrores mil nas "neofeministas", pode parecer
demasiado severo para a sensibilidade histérica dos nossos dias. Mas
subscrevo esse feminismo, não apenas por razões intelectuais –mas
pessoais.
Cresci entre
mulheres. Vivo entre elas. E quando relembro as mulheres da minha vida
todas elas parecem encarnar o ideal de Paglia. Independentes. Irônicas.
Corajosas. Que, sem surpresas, sempre gostaram de partilhar o espaço com
homens adultos, dignos, refinados.
Para Paglia, o novo
feminismo abandonou esse imperativo de exigência para que as mulheres
sejam "amazonas", ou seja, senhoras da sua liberdade. Transformou as
mulheres em seres débeis e vulneráveis, que devem ser constantemente
protegidas de um mundo hostil e predatório.
Nota importante:
Paglia não nega que o mundo é hostil e predatório. Sempre foi, sempre
será. Ela apenas reafirma que as mulheres devem aprender a lidar com
isso, não a retirar-se da arena como seres assustadiços.
Infelizmente, a voz
de Camille Paglia foi abafada pela cultura da vitimização reinante. A
Europa, nesse quesito, é terra devastada.
Leio na imprensa que a
virada do ano em Berlim teve, pela primeira vez, uma "zona segura" para
as mulheres. Em 2016, centenas foram abusadas por homens de "aparência
árabe e norte-africana". Em 2017, houve uma espécie de "resort" para as
espécies femininas que se sintam ameaçadas –e com a presença permanente
da Cruz Vermelha.
Pode parecer piada.
Ou cenário de guerra. Não é. As autoridades do país entenderam que a
melhor forma de proteger as senhoras é pela segregação social (como nos
países islâmicos). Será preciso elaborar sobre a aberração?
O papel de uma
sociedade política civilizada não passa pela separação dos sexos. Passa
pela garantia de segurança e ordem para todos. E de punição exemplar
para os criminosos, independentemente da etnia, religião ou tara
privada.
Será que a única
coisa que o feminismo do século 21 tem para oferecer às mulheres é uma
jaula? E não será essa oferta um insulto e uma degradação das próprias
mulheres?
Mas a Alemanha não é
caso isolado. Na Suécia, há uma nova lei a caminho para punir a
violação. O premiê Stefan Löfven fala em "reforma histórica" –e eu
tremo: relações sexuais, só com "consentimento explícito". Mas de que
"consentimento" falamos? Verbal? Gestual? Só vejo uma forma de produzir
uma prova de inocência irrefutável: um documento escrito.
Imagino: dois
amantes, em momento de excitação. Subitamente, um deles para o andamento
da dança e entrega um formulário para ser preenchido e assinado pela
donzela arfante.
Dizer que isso é um
dramático "turn-off" é um eufemismo. Mas não é um eufemismo declarar que
uma lei dessas, mesmo na versão oral ("sim, declaro solenemente que
tens a minha autorização para contatos fálico-vaginais"), é uma
caricatura grotesca da intimidade entre adultos.
Será que a única coisa que o feminismo do século 21 tem para oferecer às mulheres é um papel e uma lapiseira?
Não tenho filhas. Se
tivesse, Camille Paglia seria leitura obrigatória. Só para que elas
aprendessem que as mulheres não são vítimas naturais de um mundo que
existe para as amedrontar ou violar.
As mulheres devem ser
mulheres: livres, independentes, conscientes do seu poder sexual,
capazes de avaliar os riscos (e os homens) sem a mão paternalista de
outras mulheres (ou de outros homens) que gostam de defender as suas
"honras".
"Defender a honra?"
Precisamente. O feminismo contemporâneo é tão reacionário como o
machismo neandertal: ambos tratam as mulheres com a mesma
condescendência. Ambos olham para as mulheres como o "sexo fraco".
É o eterno retorno.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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