domingo, 28 de janeiro de 2018

Eletrobras esconde gastos inúteis de R$ 400 milhões “para apurar corrupção”


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Época deu flagrante no presidente “privatizante”
Vinicius Sassine
Época

Num daqueles burocráticos comunicados ao mercado que as empresas são obrigadas a fazer, um a mais entre dezenas emitidos em 2017, a Eletrobras deu uma satisfação a seus acionistas sobre um contrato com um escritório de advocacia americano especializado em investigação corporativa de corrupção e fraudes contábeis chamado Hogan Lovells. Mas o texto de 7 de dezembro guardava diferenças em relação aos demais: era mais extenso, mais detalhado, mais transparente até.
Os investidores, porém, não ficaram sabendo ao longo de 15 tópicos da decisão da estatal de aumentar o valor do contrato, nem da quantia exata a ser paga a empresas especializadas em serviços de espionagem privada – entre elas, a controversa Kroll. A Eletrobras, estatal do setor elétrico, maior companhia de seu ramo na América Latina, tergiversou sobre os valores pagos à Kroll, à Control Risks e a grandes bancas de advocacia brasileiras, todas subcontratadas pela Hogan Lovells.
CONTRATOS – Época obteve dois contratos assinados entre Eletrobras e Hogan Lovells e dois aditivos que reajustaram os valores iniciais, prazos e pagamentos. Ali está expresso o montante destinado à Kroll a partir de janeiro de 2016: primeiro, R$ 36,2 milhões, e depois, com um aditivo, mais R$ 9 milhões, o que totaliza R$ 45,2 milhões. O mesmo ocorreu com a Control Risks, uma concorrente da Kroll: R$ 35,8 milhões, com um acréscimo posterior de R$ 8,9 milhões, resultando em R$ 44,7 milhões. Grandes escritórios de advocacia brasileiros – WFaria, Pinheiro Neto e Torres Falavigna – embolsaram mais R$ 47,3 milhões.
O comunicado da Eletrobras colocava tudo isso na conta da Hogan Lovells e ainda informava números inferiores aos pagos às subcontratadas. À Kroll são atribuídos apenas R$ 13,4 milhões; os escritórios brasileiros de advocacia nem são discriminados. A estatal reconheceu o equívoco e disse que vai “reclassificar” os valores para “melhor demonstrar” os gastos, mas sem alterar o valor total.
LAVA JATO – A parceria entre Eletrobras e Hogan Lovells foi estabelecida em meados de 2015, quando a estatal estava numa péssima fase. A Lava Jato descobrira seu primeiro foco de corrupção fora da Petrobras, mais especificamente na Eletronuclear, subsidiária responsável pela construção da usina nuclear Angra 3. O prejuízo acumulado da Eletrobras batia os R$ 30 bilhões, no acumulado desde 2012, e o endividamento colocava em risco sua capacidade de honrar compromissos.
A Kroll recebeu R$ 45 milhões da estatal. Em 2015, foi usada por Eduardo Cunha na luta para escapar da Lava Jato
A empresa, então, decidiu assinar um contrato para investigar práticas de corrupção em seus empreendimentos, como forma de mostrar ao mercado transparência e empenho para evitar mais prejuízos no futuro. O valor inicial dos serviços – R$ 6,4 milhões – era inofensivo. Mas depois vieram os reajustes, bem ao estilo dos negócios do setor público. A Eletrobras assinou um novo contrato, 2.956% maior com a Hogan Lovells, fez ainda um aditivo a este contrato sem dar explicações ao mercado e escondeu quanto de fato gastou com a Kroll e outras subcontratadas.
E FOI AUMENTANDO… – Assim, o acerto com o escritório saltou dos R$ 6,4 milhões iniciais para R$ 235,5 milhões. Não parou aí. Novos gastos vieram. Até setembro do ano passado, o gasto total com as investigações internas já chegava aos R$ 340 milhões – incluía também os honorários dos integrantes da Comissão Independente de Gestão da Investigação, estabelecida para supervisionar os trabalhos da Hogan Lovells e da qual faz parte até a ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ellen Gracie.
No fim de dezembro de 2017, a Eletrobras informou a assinatura de um novo contrato com o escritório americano, de R$ 42,8 milhões. Os gastos com investigação interna vão, assim, se aproximar dos R$ 400 milhões.
O contrato principal previa que a estatal fizesse pagamentos diretamente à Kroll, à Control Risks e a escritórios brasileiros.
ESPIONAGEM – Os serviços de espionagem da Kroll têm um histórico de polêmicas no Brasil. No início dos anos 2000, a empresa foi acusada de fazer espionagem na disputa entre o banco Opportunity e fundos de pensão. A mais recente envolveu uma ofensiva do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para tentar se livrar da Lava Jato. A CPI da Petrobras, controlada por ele, contratou a Kroll para investigar se delatores tinham patrimônio oculto no exterior, como forma de tentar anular colaborações.
Na prática, Eduardo Cunha usava a Kroll para intimidar e embaralhar a investigação. Impôs um sigilo de cinco anos ao contrato, e a empresa recebeu pouco mais de R$ 1 milhão pelos serviços.
SEM DETALHAR – O contrato entre Eletrobras e Hogan Lovells não detalha o papel da Kroll nas investigações internas. Segundo a estatal, a função é conduzir entrevistas com funcionários, mapear a gestão de processos de compras e investimentos, testar transações. Mas é segredo de polichinelo entre investigadores que a empresa é especializada em rastrear contas bancárias escondidas, bens registrados em paraísos fiscais e propriedades no exterior. A Kroll no Brasil alegou “questões de confidencialidade” para não responder aos questionamentos de ÉPOCA, mesma posição da Control Risks e dos escritórios Pinheiro Neto e WFaria. A Hogan Lovells não se posicionou, nem o escritório Torres Falavigna.
Um dos dois aditivos assinados levou em conta uma carta enviada pela Hogan Lovells à Eletrobras, em que pedia permissão para “remanejar as horas contratadas entre os dez projetos incluídos no escopo da investigação”. Segundo o escritório de advocacia, “alguns projetos demandaram trabalho substancialmente maior do que o estimado na proposta comercial, comparado com outros projetos onde poucas horas foram incorridas”. O aditivo permitiu uma alocação de dinheiro entre os projetos listados, desde que respeitado o valor atribuído a cada subcontratada. Dois meses depois, um aditivo reajustou os valores e os prazos para os serviços.
70% DO LUCRO – Gastos com investigações internas têm vários objetivos, entre eles encontrar formas de evitar que os desvios se repitam e até recuperar o dinheiro perdido. Os gastos com investigação interna na Eletrobras já representam quase 70% do que a estatal lucrou no terceiro trimestre de 2017. É superior às perdas por corrupção referentes a 2014 e 2015 registradas pela empresa na Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador do mercado de capitais nos Estados Unidos.
A vigência do contrato principal foi encerrada em junho do ano passado. A Hogan Lovells precisou de mais dinheiro, e o novo contrato para o “encerramento das ações de investigação” pode durar até agosto. Apesar de todos os gastos, até agora nenhuma conclusão sobre a corrupção descoberta na Eletrobras e seus empreendimentos veio a público.
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