Augusto Nunes escreve sobre o menino que foi encontrado sob a cama de um prisioneiro subumano que cumpre pena por estupro de vulnerável:
Em 5 de setembro de
2008, os irmãos João Vitor dos Santos Rodrigues, 13 anos, e Igor Giovani
dos Santos Rodrigues, 12, foram assassinados, esquartejados e jogados
no lixo pelo pai, João Alexandre Rodrigues, e pela madrasta, Eliane
Aparecida Antunes. Ou por ter acontecido na mesma época em que Alexandre
Nardoni e Anna Carolina Jatobá eram investigados pela morte de Isabella
Nardoni ou porque casos ocorridos a quilômetros de distância dos
centros financeiros ganham menos destaque, a história escabrosa mereceu
apenas uma ligeira escala na imprensa antes de ser arquivada pelo país
dos desmemoriados. Na edição de outubro de 2008, uma reportagem publicada na revista Brasileirosreconstituiu
não apenas o homicídio, mas os anos de suplício que João e Igor
sofreram dividindo o teto com aqueles que deviam protegê-los.
Há dias, o Brasil discute o caso da menina que tocou o corpo de um homem nudurante
uma performance no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo. Com o
assunto ainda fervendo, aquecido por análises de educadores, artistas,
prefeitos e secretários de cultura sobre o episódio, sem contar os
milhares de neo-especialistas no assunto que pululam nas redes sociais,
outro caso envolvendo uma criança surgiu. Embora muito mais relevante,
continua confinado no canto das páginas de alguns jornais e sites.
Num presídio do Piauí, um menino de 13 anos foi encontrado numa cela,
escondido sob o estrado da cama de um homem de 52 anos que cumpre pena
por estupro de vulnerável (ato praticado contra menor de 14 anos).
Resgatado por agentes desconfiados da atitude de alguns presos, o garoto
contou que fora deixado ali pelos próprios pais. O casal viria buscá-lo
no dia seguinte – depois de uma noite inteira —, quando voltaria para
visitar o criminoso, um “conhecido da família”.
Segundo o artigo 4º
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), “é dever da família, da
comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com
absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária”. Entre as prioridades, está “a
primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias”. O
artigo 5º determina que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de
qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão”.
Apesar da clareza da
lei, dos 55,6 milhões de menores de 14 anos que vivem no Brasil, 12% são
vítimas de alguma forma de violência doméstica. Segundo o Disque
Denúncia, a cada hora cinco delas sofrem algum tipo de agressão — 80%
causadas por parentes próximos. Os casos de negligência — quando as
crianças são deixadas, por exemplo, sem comida, banho ou remédios —
correspondem a 73% das denúncias. Em seguida estão a violência
psicológica (50%), física (42%) e sexual (25%). O que será que sente
quem é violentado justamente por quem deveria protegê-lo? Quando os pais
não cumprem seu papel, a quem cabe substituí-los?
Um exame de corpo de
delito constatou que não houve qualquer tipo de violência sexual contra a
criança, que voltou para a guarda dos pais. Também João e Igor,
protagonistas da história resumida no primeiro parágrafo, voltaram
inúmeras vezes. Mesmo depois de 5 anos de fugas, denunciando os maus
tratos que sofriam a delegados e conselheiros tutelares, os irmãos eram
invariavelmente remetidos de volta para a casa dos algozes. Os meninos
de Ribeirão Pires acabaram assassinados. O menino do Piauí parece não
ter sofrido nenhuma violência física. Ainda.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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