O
embaixador Rubens Ricupero, um dos mais destacados diplomatas
brasileiros, que ademais já foi ministro do Meio Ambiente e da Fazenda
nos anos 1990, está lançando um novo livro, que se soma a seu prolífico
legado como historiador e ensaísta. Na obra A diplomacia na construção
do Brasil – 1750-2016, Ricupero analisa o papel da diplomacia brasileira
na consolidação das fronteiras nacionais e na identidade da nação. Em
entrevista à Folha de São Paulo, nesta terça-feira (26), o diplomata deu
um diagnóstico certeiro sobre a atual imagem do país lá fora: “Ninguém
quer sair na foto com o Brasil”. Esse derretimento da imagem brasileira
no exterior, à semelhança da mais grave crise econômica da nossa
história, é outra das heranças malditas do governo do Partido dos
Trabalhadores.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
O
embaixador Ricupero até tenta contemporizar, bem no tom do diplomata
experiente que é, elogiando algumas iniciativas do ex-presidente Lula e
do ex-chanceler Celso Amorim, que esteve à frente do Itamaraty entre
2003 e 2010. Mas a verdade é que a diplomacia petista obliterou o
Ministério das Relações Exteriores e fez terra arrasada de uma tradição
de dois séculos de equilíbrio, bom senso e excelência, perseguindo
diplomatas não alinhados, aparelhando descaradamente a máquina
ministerial, abandonando interesses nacionais óbvios e apoiando
financeiramente regimes ditatoriais. O Itamaraty, que sempre se
orgulhara de fazer política de Estado, e não de governo, foi
praticamente posto de joelhos pela sanha ideológica de uma diplomacia
rasteira e nitidamente enviesada, estranha à vocação universalista do
Brasil.
Ainda
mais, o avanço da operação Lava Jato e de suas ramificações nos
Judiciários estrangeiros está revelando que muito desse processo se
deveu não só à cegueira ideológica e ao autoritarismo tacanho, mas
deu-se às custas da mais desbragada corrupção. Aqui como lá os
companheiros só faziam lambuzar-se nos recursos sofridos do contribuinte
brasileiro, notadamente pelo financiamento do BNDES a obras de
interesse duvidoso no exterior. Isso só foi possível por uma operação de
marketing pedestre, que contou com a vista grossa de muitos formadores
de opinião e observadores desaviados: “Esse é o cara!”, declarava o
ex-presidente Barack Obama sobre Lula em 2009, para a jactância dos
petistas que, à época, convenientemente se esqueceram do seu
antiamericanismo atávico.
Para
ficar só no exemplo mais notável do completo naufrágio da diplomacia
petista, a criação de 44 novas embaixadas entre 2003 e 2010 e a expansão
dos quadros do Itamaraty sempre foram justificados pela necessidade de
fazer comércio e estreitar laços com parceiros de grande potencial
econômico, bem como para fortalecer a campanha pelo assento permanente
do Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Ilusão de ótica: o país
continua alijado do centro do poder geopolítico e com a pauta comercial
concentrada nos poucos parceiros tradicionais (China, Estados Unidos,
Europa, Mercosul e Japão).
Que
grande campanha publicitária foi essa, que não deixa nada a dever às
maquinações do marqueteiro João Santana? Da mesma forma que o desempenho
econômico brasileiro nos anos 2000 era vendido como mérito exclusivo do
PT, enquanto se menosprezavam a bonança internacional do período e o
legado positivo da estabilização econômica dos anos 1990, o protagonismo
externo era creditado exclusivamente ao messianismo do “lulo-amorismo”,
desconsiderando a inserção delicada e bem-sucedida do Brasil na ordem
internacional, com a adesão a uma série de regimes, como o de não
proliferação nuclear e os de direitos humanos, além do início de uma
integração responsável com a América do Sul. Plantou-se a mentira
estratégica, colheu-se a desmoralização quase completa.
Ricupero
cita a importância do Brasil em matéria agrícola e ambiental. Mas
nenhuma das posições em que a diplomacia brasileira ainda tem relevo é
mérito dos delírios de grandeza da diplomacia “altiva e ativa” de
Amorim. A imprescindibilidade do Brasil nas negociações comerciais
agrícolas, por exemplo, é fruto do dinamismo e da eficiência do setor
agrário, que remonta pelo menos à criação da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária, a Embrapa, em 1973. A centralidade nas discussões
ambientais, por outro lado, deve-se ao fato de o país possuir a maior
biodiversidade do mundo e uma das matrizes energéticas mais limpas do
planeta, escolha política que antecede em muito o petismo. Mesmo as
conquistas na proteção ao patrimônio natural da floresta Amazônica, que
tanto se alardeia estarem em risco sob o governo de Michel Temer,
começaram a degringolar ainda na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff.
O alto
custo dessa trama macabra dos petistas no Itamaraty ainda será
contabilizado por muito tempo. As dimensões do desastre são muitas e o
próprio Ricupero reconheceu que “ninguém pode imaginar que o Itamaraty
alavancará o Brasil se o país não acaba com a corrupção, não volta a
crescer [e] não combate a miséria”. Mas não é só. Além de reformas de
que o país precisa para retomar a estrada do crescimento sustentável e
de punição exemplar, na forma da lei, para todos os corruptos que
estenderam seus tentáculos sobre o Brasil desde 2003, será necessário
garantir que nossa diplomacia seja resgatada – e ainda há diplomatas
capacitados para tanto – e permaneça sempre como uma diplomacia de
Estado. Não de governo, e muito menos dos companheiros.
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