segunda-feira, 1 de maio de 2017

Conhecimento e democracia, por Lucas Faillace Castelo Branco*


Foto: Divulgação/Arquivo
Lucas Faillace Castelo Branco é advogado e mestre em Direito pelo King's College, de Londres
O Brexit, no Reino Unido, e a eleição de Trump, nos Estados Unidos, suscitaram em alguns a ideia de que talvez a democracia não seja lá essas coisas, especialmente tendo em vista a possibilidade de o povo, desconhecedor do que seja seu melhor interesse, tomar decisões que, ao analista, pareçam equivocadas. Já a democracia brasileira pode sugerir que os representantes nada representam, a não ser os seus próprios interesses.
Apesar disso, a democracia continua a ser apreciada por quase todas as pessoas. Ela parece ser tão boa que até líderes tirânicos da África ou da Ásia e presidentes populistas da América do Sul professam adotá-la; o simples indício de que alguém possa não ser democrático é motivo de demérito. A democracia, porém, jamais foi unanimidade ao longo da história e seus ideais proclamados jamais chegaram a se verificar inteiramente na prática. O mundo, feliz ou infelizmente, é imperfeito.
Como se sabe, a democracia é uma criação ateniense. Abstraindo-se as inúmeras diferenças entre a democracia ateniense e a moderna, bem como as visões de mundo grega e moderna, as críticas a esse sistema permanecem atuais.
No livro VI da República, Platão lança mão de argumento persuasivo, por meio da metáfora do barco em uma tormenta, no qual cada ocupante, desconhecedor da arte da navegação, tenta convencer o dono do barco, também limitado em conhecimento, a se tornar o timoneiro, logrando isso não o mais competente na arte da navegação, mas o mais hábil no uso da retórica.
A metáfora indica que a sociedade deve ser governada pelos que têm aptidão para tanto e que o voto sem verdadeiro conhecimento da questão em debate implica decisão irresponsável e, por vezes, catastrófica, como, para Platão, a história das cidades gregas demonstrava. A crítica de Platão dirigia-se à democracia direta e igualitária (embora restrita ao “demos”).
Nela, todos os cidadãos eram considerados capazes de decidir em pé de igualdade, além de estarem igualmente aptos a ocupar qualquer cargo público. Tanto é assim que os atenienses se valiam do sorteio para preencher esses cargos, o que é impensável atualmente; afinal de contas, quase ninguém advogaria a supressão dos concursos públicos, cuja realização, espera-se, é garantia de que os mais competentes serão selecionados. Pode-se afirmar, assim, que há um elemento aristocrático – a meritocracia – na democracia moderna que não existia no período clássico da história ateniense, e, nesse particular, ela busca atender ao argumento de Platão de que certas atividades devem ser exercidas por pessoas de talento.
O modelo platônico de sociedade supõe que os reis-filósofos governassem não em proveito próprio, mas sempre no interesse da comunidade. Seriam eles juízes infalíveis das melhores decisões, não havendo espaço para erro, e gozariam, portanto, de poderes absolutos, devendo o restante da comunidade sujeitar-se às suas prescrições, assim como o paciente enfermo aceita, sem contestar, as recomendações do médico que o trata.
O modelo de Platão é, obviamente, de dificílima consecução. A história comprova que nenhum governante é infalível, por mais bem-intencionado que seja, e que o abuso de poder por quem goza de amplos poderes é a regra. O advento da democracia representativa na modernidade, longe de resolver a questão levantada por Platão, intensifica a importância da relação entre conhecimento e ação política.
Se o filósofo grego propugnava o descortino intelectual de um pequeno e hábil corpo político, que passaria a governar depois de um rigoroso processo de educação (“paideia”), hoje, em uma democracia de massa, a responsabilidade recai sobre todos os eleitores, aos quais compete eleger, entre os seus, alguns, na expectativa de que eles bem representem os interesses dos votantes.
Para que a democracia venha a se aperfeiçoar, exigem-se, ao menos, duas condições: a cultura política dos eleitores e espírito público dos eleitos. A cultura política dos eleitores significa dizer que eles têm, antes de mais nada, o dever de se informar a respeito dos assuntos de interesse público, tarefa por vezes extremamente complexa, seja porque envolve o entendimento de assuntos intricados mesmo entre os especialistas, seja porque as paixões ideológicas embotam a razão. O espírito público dos eleitos, ao seu turno, significa não apenas não lesar os cofres públicos, mas principalmente atuar em conformidade com os interesses dos representados, isto é, não lhes trair a confiança depositada.
A incipiente experiência democrática brasileira tem demonstrado a falta de vigor de ambas as condições. Platão tem toda a razão quando indica que a combinação de desconhecimento com ação política é desastrosa e que candidatos aproveitadores têm toda possibilidade de enganar um povo inculto, desvirtuando-se, com isso, o verdadeiro sentido da democracia. Seja como for, ainda vale a frase de Sir. Winston Churchill, para quem a democracia é o pior regime, com exceção de todos as demais.
* Lucas Faillace Castelo Branco é advogado, mestre em Direito (LLM) pela King’s College London, Universidade de Londres, e sócio de Castelo Lima Dourado Advogados.
POLÍTICA LIVRE

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