Texto de Carlos Sardenberg analisa os arrasadores efeitos do salário mínimo previsto na Constituição (O Globo):
Já estão aparecendo
as “soluções fáceis": se o consumo das famílias está baixo, a resposta
deve ser um bom aumento real para o salário mínimo.
A proposta está
naquela categoria das “soluções simples e erradas”. Mas, para complicar o
quadro, vou acrescentar um argumento, digamos, constitucional. Quer
dizer: o atual salário mínimo, de R$ 937, é inconstitucional.
Isso mesmo. Está lá no artigo 7º:
"São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV — salário mínimo,
fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim".
Considerem uma
família de quatro pessoas, casal e dois filhos, morando no Rio ou em
outra região metropolitana, e está na cara que o valor atual não dá.
Qual seria o valor
constitucional? O Dieese faz o cálculo todos os meses. Para janeiro
último, a estimativa alcança exatos R$ 3.811,29.
Isso é mais de 300%
acima do mínimo atual. E é 85% superior ao salário real médio dos
trabalhadores brasileiros, medido pelo IBGE, que chegou a R$ 2.056 em
janeiro passado.
Assim, se o STF
mandar pagar os R$ 3.811, vai ser uma festa nacional. A imensa maioria
dos trabalhadores terá um gordo reajuste imediato. E muitas famílias
ficarão em situação mais do que confortável.
O mínimo tem que ser
nacional, um mesmo valor no país inteiro. E precisa atender às
necessidades descritas na Constituição. Logo, é preciso fazer a conta
para as famílias que moram nas áreas em que o custo de vida é o mais
caro. Resultado: os R$ 3.811 vão dar em cima para os trabalhadores de
São Paulo, Rio ou Brasília, e vão sobrar para os moradores, por exemplo,
do interior do Piauí.
Em um dado momento,
havia no Brasil salário mínimo regional, uma tentativa de adequar a
remuneração às enormes disparidades de custo de vida. Mas, na
Constituição de 88, sob o argumento de que não se poderia discriminar,
determinou-se que todos deveriam receber a mesma coisa. O que é falso.
Os mesmos R$ 937 valem muito mais em determinados locais. Assim, há uma
discriminação contra os moradores das áreas urbanas.
De todo modo, quais seriam as consequências do salário mínimo constitucional?
Arrasaria as contas
públicas. Considerando que cada real a mais no salário mínimo representa
uma despesa anual de R$ 300 milhões só para o governo federal (23
milhões de aposentados e pensionistas recebem pelo piso), o custo
daquele reajuste, partindo dos atuais R$ 937, seria de nada menos que R$
862 bilhões — mais de seis vezes superior ao déficit previsto para este
ano.
Isso daria em aumento
de impostos e da dívida, a qual, aumentando o risco de calote,
provocaria a imediata elevação das taxas de juros.
As prefeituras do
interior não teriam como pagar o mínimo constitucional. As empresas
teriam que repassar os custos mais altos para os seus preços. Como todas
fariam isso ao mesmo tempo, a inflação daria um salto. E muitas
empresas simplesmente passariam para a informalidade, eliminando os
trabalhadores com carteira assinada.
Isso fecha o ciclo:
todo o ganho dos trabalhadores que continuassem empregados seria comido
pela inflação generalizada, pelos impostos mais elevados e pelas taxas
de juros mais altas nos crediários.
Ou seja, o mínimo de
R$ 3.811 rapidamente seria de novo inconstitucional, exigindo-se novo
reajuste pela letra da lei. Pode existir uma norma constitucional mais
estúpida que esta?
A rigor, deveria ser
imediatamente eliminada, mas qual parlamentar ou qual governo tomaria a
iniciativa de propor isso? Mesmo que alguém fizesse, a coisa acabaria no
STF.
É verdade que a Corte
tem dado umas decisões estranhas, mas é difícil imaginar que os
ministros fossem irresponsáveis o suficiente para deliberar a favor de
uma catástrofe econômica e social como aquela aqui descrita. Por outro
lado, o inciso IV do artigo 7º. da Constituição está em vigor. Logo,
Suas Excelências, se provocadas nesse caso, precisarão de uma ginástica
jurídica para dizer que certas letras da Constituição não valem em
determinadas circunstâncias.
E caímos de novo em
duas questões: uma, a das leis que são e as que não são respeitadas;
outra, de como a Constituição brasileira permite tudo, até dizer que o
salário mínimo e o déficit da Previdência são inconstitucionais. E
depois reclamam quando o brasileiro comum também resolve que certas leis
não precisam ser respeitadas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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