Na Faculdade de Direito, até os alunos sabem que as decisões do Tribunal do Júri são soberanas. Se os jurados decidem que o réu é culpado, a segunda instância, isto é, o tribunal a quem compete julgar o recurso, não pode substituir a decisão do Júri para proclamar que o réu é inocente. Isso jamais aconteceu. No máximo pode mandar o réu ir a novo julgamento, com a anulação do primeiro. O tribunal também pode rever o quantificação da pena, além de outras questões meramente processuais. Mas quanto ao mérito, se culpado ou inocente, só o Conselho de Sentença, que é a reunião dos sete jurados, é quem tem a soberania para decidir.
Mas o ministro Marco Aurélio passou por cima dessas premissas primárias que se aprende nas faculdades e que até muitos leigos sabem. Se o Tribunal de Justiça de Minas Gerais está há quatro anos para realizar o julgamento do recurso que o ex-goleiro apresentou contra a decisão soberana do Tribunal do Júri, seria o caso de o ministro Marco Aurélio fixar prazo para o julgamento, expedindo ordem nesse sentido ao TJ-MG. Mas, não. Fez exatamente o que não devia nem podia.
SEM INFORMAÇÕES – Marco Aurélio, mesmo sem pedir informações (nos habeas corpus, normalmente o juiz, antes de decidir sobre o pedido de liminar, pede informações à chamada autoridade coatora, contra quem o habeas é impetrado), decidiu pela soltura do ex-goleiro. A decisão não foi do STF, mas de um de seus ministro, a quem coube, por sorteio que ninguém vê e ninguém sabe como é feito, receber o habeas-corpus e dele se tornar relator.
Agora, voltemos à reflexão que contém o artigo ontem publicado aqui na TI. Se o ex-goleiro, condenado por um tribunal soberano a 22 anos de reclusão, e que se encontrava cumprindo a pena, é solto, é posto em liberdade, indaga-se: os presos da Lava Jato, tanto aqueles que ainda nem foram julgados e aqueles outros, já julgados, mas por um juiz singular, todos eles também não passam a ter o direito de serem soltos com base na decisão do ministro Marco Aurélio neste caso Bruno?
Daí a razão para que esta decisão do ministro Marco Aurélio represente uma grande porta que se abre para a soltura dos corruptos da Lava Jato e de outras operações similares e que se encontram presos. No mínimo cria forte precedente.
SEM CULPA FORMADA? – E o ministro escreveu na decisão que libertou o ex-goleiro que não é justo nem jurídico uma pessoa cumprir mais de 6 anos de cárcere “sem culpa formada”.
Como, ministro, sem culpa formada? E a soberana decisão do Conselho de Sentença do Tribunal do Júri que viu autoria, viu culpa formada e condenou o ex-goleiro a 22 anos de reclusão? A decisão dos jurados deixou de ser soberana? Por acaso, tribunal revisor da decisão a que chega o Conselho de Sentença de um Tribunal de Júri pode concluir pela culpa ou inocência do réu, formada ou não formada? Ou o tribunal revisor, caso a decisão seja contrária à prova dos autos, deve se limitar a determinar novo júri?
É claro que o senhor ministro sabe que sua decisão nunca poderia ter adentrado no mérito da autoria e da culpa, uma vez que é prerrogativa exclusiva e soberana do Conselho de Sentença.
FORA DOS TRILHOS – Ah!, ministro Marco Aurélio, nesta quadra de sua vida, da vida do nosso Brasil, perdoe-me dizer que o senhor saiu fora do trilho dos códigos e das leis. E de quebra ou por inteiro, abriu precedente para que todos os demais investigados, denunciados presos na Lava Jato e operações congêneres venham ganhar também a liberdade.
Abre a possibilidade de que a decisão venha colocar na rua, por exemplo, um Eduardo Cunha, um Sérgio Cabral ,que nem julgados foram, menos ainda por um tribunal. Ou um Zé Dirceu e alguns outros, já sentenciados e condenados, mas por um juiz de primeiro grau, e não por um tribunal.
Ora, se o ex-goleiro, condenado por um tribunal soberaníssimo, como é o Tribunal do Júri, foi solto sem o cumprimento integral da pena, por que Cunha, Cabral & Cia devem ficar presos, se nem condenados foram por um juiz de primeiro grau, quiçá por um tribunal?
Agora, Marco Aurélio abriu precedente. E a partir de hoje pode dar entrada no STF uma pletora de Habeas-Corpus para os corruptos da Lava Jato e outras operações do mesmo ramo.
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