sábado, 31 de dezembro de 2016

À luz do Direito Internacional, a situação da mulher do embaixador assassinado


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É preciso saber se Françoise se naturalizou grega
Jorge Béja
Comprovada a participação desta mulher, Françoise Amiridis, no assassinato do marido, o embaixador da Grécia no Brasil, Kyriakos Amiridis, ela acabou com a vida do esposo, causou grave e indelével trauma na pequena filha de 11 anos de idade, além de deixá-la órfã, destruiu a vida dela própria, de sua família e da família de seu marido. Quanta desgraça junta! O que essa gente tem na cabeça? Se vê que François descende de família simples, de vida modesta, que não nasceu em berço rico. Alçada à condição de embaixatriz da Grécia, país que a humanidade reverencia, não soube se conduzir à altura da nobreza da privilegiada posição social.
Mas passemos a um breve raciocínio jurídico que, certamente, tenha levado o juiz a retardar a decretação da sua prisão, que demorou mas saiu ainda ontem à noite. Tudo indica que o juiz, surpreendido com o inusitado e fora do cotidiano, se viu obrigado a ir aos livros de Direito Internacional.
A CONVENÇÃO DE VIENA – Françoise é casada com embaixador de país estrangeiro e acreditado no Brasil. Pela Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas, assinada em 18 de abril de 1961, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 103, de 1964 e ratificada em 23 de fevereiro de 1965 e promulgada pelo Decreto nº 56.435, de 8 de junho de 1965, as mesmas imunidades que desfruta o embaixador (que não são poucas), desfrutam os membros de sua família:
Artigo 37, § 1º – Os membros da família de um agente diplomático que com ele vivam gozarão dos privilégios e imunidades mencionados nos artigos 29 a 36, desde que não sejam nacionais do Estado acreditado“.
Isto é, da mesma maneira que o embaixador goza da imunidade de jurisdição penal no Estado acreditado, sua esposa também da mesma imunidade desfruta. O diferencial está na parte final do artigo 37, § 1º, ao excepcionar o familiar nacional do Estado acreditado, que é o caso de Françoise. Ela é brasileira, de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, onde o crime aconteceu.
Nesse caso, Françoise, se confirmada sua participação no assassinato do marido, responde pelo crime perante a Justiça brasileira.
SEM IMUNIDADE – No Brasil, país em que nasceu e que a Convenção denomina de “Estado acreditado”, madame Françoise nunca desfrutou de imunidade e privilégio algum, face à sua condição de esposa brasileira de agente diplomático estrangeiro aqui acreditado. Sendo assim, sua prisão foi acertadamente decretada, e a ex-embaixatriz, que das alturas mergulhou no fundo do poço da destruição humana, se submete às leis penais brasileiras.
Por outro giro, é preciso saber se dona Françoise, ao se casar com agente diplomático grego, se tanto e ipso facto deu-lhe a nacionalidade grega. Ou se ela ostenta outra nacionalidade, mesmo não sendo a grega, em prejuízo da nacionalidade brasileira. Ou, ainda, se dona Françoise, por vontade própria, se naturalizou grega, com a consequente perda da nacionalidade brasileira. Aí o quadro muda de figura.
NATURALIZAÇÃO – Se deixou de ser brasileira e assumiu a nacionalidade grega ou mesmo outra nacionalidade, então desconhecida, dona Françoise não se enquadra mais naquela parte final do parágrafo primeiro do artigo 37 da referida Convenção. Portanto, os benefícios da imunidade da jurisdição penal que amparavam seu marido, a amparam também. Nesse caso, sua prisão não é legal. Ela tem o direito de ser posta em liberdade para voltar à Grécia e ser processada e julgada pelas leis gregas. Ou mediante expulsão do governo brasileiro, ou por extradição, a pedido do governo da Grécia.
Ainda se dona Françoise tiver nacionalidade grega (ou outra qualquer diversa da brasileira) e gozar do benefício de matar ou mandar matar alguém em Nova Iguaçu, sem que nada lhe aconteça no Brasil, o governo da Grécia poderá renunciar à imunidade de jurisdição que, por beneficiar o marido assassinado, também contempla dona Françoise. Este é um ato de soberania do Estado ao qual dona Françoise não pode se opor, contestar ou impedir que se concretize. E nesse caso, a mulher do Embaixador Kyriakos Amiridis passa a responder pelo crime perante a Justiça brasileira. Diz o artigo 32, parágrafos 1º e 2º:
“O Estado acreditante pode renunciar à imunidade de jurisdição dos seus agentes diplomáticos e das pessoas que gozam de imunidade nos termos do artigo 37. A renúncia será sempre expressa“. Isto é, a Convenção exige que seja renúncia por escrito.
EM SÍNTESE – se dona Françoise participou mesmo, de uma forma ou de outra, da morte do marido e ela é brasileira, responde ao processo criminal no Brasil, segundo a lei brasileira e no Brasil cumprirá a pena; se deixou de ser brasileira, seja por força e consequência do casamento com o agente diplomático estrangeiro, seja por ter adquirido outra nacionalidade (que não precisa, obrigatoriamente, ser a nacionalidade grega), dona Françoise conserva as imunidades previstas na Convenção de Viena. Nesse caso ela deve ser posta em liberdade e ser mandada de volta à Grécia, por ato unilateral do governo brasileiro ou em atendimento a um pedido de extradição vindo da Grécia.
Ainda na condição de grega, dona Françoise deve permanecer no Brasil para responder pelo crime que lhe é imputado, caso o governo da Grécia expressamente renuncie à imunidade de jurisdição em desfavor desta senhora. Tudo isso causa extrema tristeza. E se pode constatar a quem ponto chega a crueldade humana. É uma pergunta curta, simples, mas profunda: Por quê? E qualquer que seja a resposta, ela nunca convencerá.
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