Juristas analisam o embate entre Legislativo e Judiciário no Brasil
Nesta semana, o país assistiu a mais um episódio da série de embates recentes entre os Três Poderes. Após uma operação da Polícia Federal autorizada por um juiz de primeira instância resultar na prisão, no Senado, de quatro policiais legislativos, os ânimos de acirraram.
O presidente do Congresso, Renan Calheiros, chamou o juiz que autorizou a operação de "juizeco", além de afirmar que o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, era um "chefete de polícia". Por sua vez, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, afirmou que sempre que um juiz for agredido, ela própria se sentiria agredida. O presidente Michel Temer não polemizou sobre a declaração de Renan sobre o ministro, mas as falas do presidente do Congresso e da presidente do STF já eram suficientes para estremecer a relação entre Legislativo e Judiciário.
Cármen Lúcia inclusive recusou um convite feito por Temer para se reunir com ele e Renan Calheiros, alegando agenda cheia, mas os representantes dos Três Poderes acabaram se encontrando na sexta-feira (28), numa reunião já agendada anteriormente, e que tinha como tema a segurança pública no país. Numa aparente trégua entre o chefe do Legislativo e a chefe do Judiciário, antes do encontro Renan teria ligado para Cármen Lúcia pedindo desculpas pela polêmica. Ele também afirmou publicamente que Cármen Lúcia era "um exemplo de caráter".
Contudo, na visão dos analistas ouvidos pelo JB, o episódio mostra mais um movimento na judicialização da política no Brasil. Eles alertam sobre os riscos para o país de representantes do Congresso e do Supremo divergirem publicamente.
“Há uma desarmonia profunda entre os poderes em um momento no qual a população já está desacreditada, e de repente, o Senado menospreza o Judiciário, que responde de forma equivocada”, afirma o advogado e professor licenciado da FGV Luciano Viveiros. “A Constituição é bem clara, dá independência e harmonia entre os poderes, no sistema de freios e contrapesos. Fica desagradável e perigoso para os representantes tanto do Congresso quanto do Supremo divergirem publicamente.”
De acordo com o professor de Direito Constitucional da UFF, Daniel Andrés Raizman, essa falta de harmonia faz com que os poderes percam as condições de legitimidade. “O Estado não atua com ética e sim por meio de interesses. O que é construído nesse modelo de representatividade se torna uma ficção de democracia, na qual discursos que buscam legitimação não conseguem se firmar. Se torna um caos”, afirma o professor.
Para ele, a disputa acaba impossibilitando a elaboração de uma agenda programática para o governo. “Isso impacta a economia terrivelmente, já que o mercado precisa de previsibilidade. A grande crise que nós temos é política, que afeta e agrava a crise econômica”, opina o professor da UFF. Ele explica que o problema institucional é ainda mais profundo. “O problema está menos no Judiciário do que nos outros poderes. Por exemplo, o Executivo e o Legislativo cometeram uma série de ilegalidades que culminaram na queda de uma presidente. Intermediando os conflitos está o Judiciário, cuja tarefa foi de intervir quando necessário.”
O Legislativo, de acordo com Raizman, tem sua imagem danificada por determinados políticos. “O sistema não funciona sem o mínimo de moral e controle ético, o que gera, por sua vez, uma crise de legitimidade ética e moral. O sistema perde sua representatividade ante a população”, ressalta.
Viveiros concorda com esse ponto de vista e dispara: “A desmoralização de todo o sistema institucional é causado pelo despreparo representativo dos representantes dos Três Poderes. Temos um presidente do Senado que utiliza uma terminologia chula para se referir a membros de outras esferas. O que a população vai esperar disso? É assim que um país se dissolve diante dessa desmoralização.”
O advogado também enumera uma série de fatores que distanciam a população da política. “A ausência de transparência e eficiência no poder e a falta de educação na sociedade desde a escola até a família, além dos membros das instituições negarem suas responsabilidades, são fatores complicadores para essa relação entre os Poderes. As pessoas precisam retomar o processo democrático”, conclui.
O que ocorre, segundo Viveiros, é que a sociedade quer deixar as responsabilidades nas mãos das figuras de autoridade. “Me pergunto como um juiz pode virar um herói, quando o que ele faz é apenas a competência dele no que ele se propõe a fazer, nem entro no mérito político aqui. Só sua eficiência o torna um herói. Por exemplo, um sujeito que entrega uma bolsa de dinheiro encontrada na rua, nada mais que sua obrigação, se torna um herói. Estamos carentes desse tipo de figura, e quando ela surge, fica acima do bem e do mal.”
Raizman vai pelo mesmo caminho quando afirma que “o grau de deslegitimação do Legislativo faz a população aceitar um mal menor. Isso é muito ruim. O Estado não pode ser beneficiário de ato ilícito”, e conclui: “A sensação de impunidade dá legitimidade aos crimes cometidos nas investigações da Lava Jato. O problema é que você pode aceitar ilegalidades cometidas contra alguém, mas eventualmente você abre um precedente que pode afetar outras pessoas depois. O sentimento de indignação em relação a determinados políticos tem gerado a aceitação do castigo do culpado ainda às custas do inocente.”
* do projeto de estágio do JB
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