quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Colômbia: desacordo final em Cartagena


tm“Homenagem especial: teremos que prestar homenagem à memória e abnegação desse titã dos povos de nossa América, o presidente eterno Hugo Chávez Frías, sem cujo apoio e impulso inicial nada do que foi alcançado teria sido possível. Não há dúvida de que Bolívar e ele ainda têm muito que fazer na América”. Esta declaração de “Timochenko” (foto) na abertura da X Conferência guerrilheira das FARC, que ratifica a que fez no dia do encerramento do Acordo de Havana, tem que assombrar os venezuelanos porque ocorre que o titã sempre negou aqui ter a menor relação com as FARC cada vez que foi interpelado a respeito. Inclusive quando os computadores de Raúl Reyes confirmaram o affaire dos 300 milhões de dólares, quando encontraram lança-foguetes suecos e outras armas com etiquetas venezuelanas em acampamentos guerrilheiros, quando o chanceler Rodrigo Granda entre outros foi capturado em Caracas e assim ad infinitum.
(Chávez) sempre pretendeu ser um árbitro imparcial e bom compositor, até que o presidente Uribe decidiu prescindir de seus serviços como facilitador por andar se reunindo com militares colombianos sem autorização de seu governo. Porém, um sujeito que havia passado a vida conspirando nos quartéis venezuelanos, por que não haveria de fazê-lo também nos colombianos se, ao fim e ao cabo, é a mesma Grande Colômbia? Sendo os quartéis venezuelanos viveiros de comunistas, por que não haveriam de se encontrar lá também alguns vermelhinhos?
Claro que estava mentindo. O mais grave é que o reconhecia em cadeia nacional, como quando zombava de seus superiores que lhe chamavam tibiamente a atenção por suas atividades conspirativas e a quem negava enfaticamente o que estava à vista de todo o mundo. Sem dúvida isto requer de uma aparência moral muito singular. Juan Manuel Santos nos fez um grande favor ao explicar que “a política tem muito de hipocrisia. É parte do jogo. A capacidade de blefe, de enganar”. Seguido de um paradoxo ato de sinceridade: “O político que diga que não é assim, é um mentiroso”. Vejamos, Santos é um hipócrita confesso, porém devemos confiar nele porque o político que venha nos dizer que não é hipócrita, está tratando de nos enganar.
Pode-se concluir que as negociações Santos-FARC têm como fundamento a mútua desconfiança, daí seu arrevesamento, ao contrário dos negócios entre gente normal que se baseiam na fides, a mútua credibilidade, que se incorporou ao senso comum e sem a qual seria impossível a mais mínima convivência.
Seu giro levando ao Acordo a Instituições Internacionais é a patética representação de um homem enfermo que realiza o sonho de sua vida sabendo que é puro teatro. Não por acaso Juan Manuel Santos, vulgo “Juanpa”, vulgo “Santiago”, declarou Chávez, vulgo “José María”, vulgo “Tribilín”, como seu novo melhor amigo. E as FARC como seu novo melhor aliado.
Não mais FARC?
Exorbitante é a palavra que melhor descreve os Acordos. Quem quer que tenha a tenacidade para remontar 297 páginas de arrevesadíssimos termos, siglas ininteligíveis, repetições aborrecidas, condimentadas com essa retórica de gênero de porta-vozes [1], negociadoras e negociadores, do “bom viver” do qual os venezuelanos estamos fartos, tem que se perguntar ao final, mas isto se pode fazer? Não digamos as FARC, que modifica todo o ordenamento jurídico colombiano sendo uma organização ilegal, digamos melhor Santos e seus negociadores que devem sujeitar suas ações ao disposto na Constituição e leis da República, caso contrário, seus atos são nulos e sem nenhum valor.
Deixemos de lado a nova distribuição política territorial com “16 Circunscrições Transitoriais Especiais de Paz para a eleição de 16 representantes à Câmara de Representantes de maneira temporal e por dois períodos eleitorais”, onde os partidos que contem com representação no Congresso não poderão inscrever “candidatos nem candidatas”. Mais “23 Zonas Veredais Transitoriais de Normalização e 8 Pontos Transitórios de Normalização”, às quais se lhes reconhece espaço aéreo! Para a “democratização do espectro eletromagnético” 1 emissora de televisão fechada e 31 emissoras de rádio.
De outro lado, as prestações econômicas para as FARC: 10% anual de apropriação orçamentária para o funcionamento dos partidos e movimentos políticos, 5% para propaganda, 5% para um centro de Pensamento e Formação Política, financiamento estatal das campanhas para a Presidência e o Senado “não sujeita a devolução”, garantindo-lhes um mínimo de 5 assentos no Senado e na Câmara, enquanto isso, 3 porta-vozes “com as mesmas faculdades dos congressistas, salvo o voto” e 1 delegado ante o Conselho Nacional Eleitoral.
A cada guerrilheiro cabe: 8 milhões de pesos [2] para empreendimentos, 8 milhões para moradia ou projetos individuais, 2 milhões de Designação Única de Normalização, Renda Básica durante 24 meses prorrogáveis, seguridade social paga pelo governo durante 24 meses, mercados por um ano ou bonos, insumos e alimentos para animais, saúde, educação, até o café da manhã das crianças em zonas de substituição de cultivos e paremos de contar para não aborrecer. Porém, o que não se pode deixar de lado é: como podem comprometer dez milhões de hectares de terras para uma suposta Reforma Rural Integral para uma Nova Colômbia? De quem são essas terras agora? Como vão tirá-las? E para embarcar em um experimento social cujos resultados não necessitam buscar na Rússia ou na China, basta ver o que fizeram aqui, na Venezuela, com essa mesma quantidade de hectares roubados pelo regime de Chávez e sucessores. O quê da questão é que este é um eixo central da ideologia comunista: que o latifúndio é aliado natural do imperialismo, pelo qual quebrar a espinha da oligarquia latifundiária é a única forma de alcançar uma mítica segunda independência.
Timochenko proclama que não só resistiram “à mais longa e violenta investida do poder imperial e seus aliados do capital nacional e do latifúndio”, senão que puderam sentar-se “com eles” para negociar os Acordos. Ou seja, que negociaram com o imperialismo, do qual Santos e seus negociadores são simples agentes. O ponto é que não se trata de resolver nenhum problema camponês, mas um problema político que eles acreditam superado em Cuba e Venezuela, embora o custo seja que as pessoas morram de fome, o mesmo que infalivelmente ocorrerá na Colômbia.
Lá lamentam que neste extensíssimo documento não se mencione nunca a palavra Deus, algo compreensível sendo subscrito por um Estado “laico” com organização comunista em sede marxista-leninista. O que se estranha é que não apareçam as palavras classe, luta de classes, burgueses, proletários, capital, exploração, imperialismo, que aqui até chamam os Estados Unidos por seu verdadeiro nome. A pergunta é se as FARC terão abandonado realmente a filosofia que as inspira desde sua fundação para adotar uma nova ideologia que, a julgar pelos Acordos, deve ser uma ideologia de gênero, multicultural, pluralista e diversa como tanto repetem no texto.
Porém, tão-logo Timochenko pega um microfone arremete contra “os meios de comunicação a serviço da oligarquia” e confessa o que interessa: que não se arrependem nem vão se arrepender de nada, fizeram e continuarão fazendo o que têm que fazer, este é só um giro tático para chegar a seu objetivo que continua sendo tomar o poder na Colômbia, lá aos que queiram se enganar. Esta falta de arrependimento é supremamente importante porque implica ratificar que o que acontece na Venezuela lhes parece estupendo, seguindo o modelo de Cuba, vêem isto como um processo inevitável, que basicamente está bem e é o caminho a seguir. Sem contrição não há propósito de emenda e “não repetição”.
Vargas Llosa, Carter e Gaviria
É impossível resenhar 297 páginas exuberantes sem produzir um documento várias vezes maior e dizer apenas uma fração do que teria que advertir como mais urgente, porque Santos e as FARC só deram 30 dias para digerir o que realizaram em 4 anos e aprovar em bloco, “SIM” ou “NÃO”, com uma pergunta maliciosa. Porém, chega um auxílio inesperado dos partidários do “SIM” e seus argumentos. César Gaviria é o chefe da campanha, personagem inesquecível na Venezuela porque se instalou 6 meses aqui, sendo secretário geral da OEA, pelo qual é presumível que não se ocupava de outra coisa e o resultado mais visível de sua diligência foi a re-legitimação do regime chavista.
Talvez sua controvertida experiência ajude a interpretar frases enigmáticas que se repetem no Acordo como “assegurar a transversabilidade do enfoque de gênero em todo o âmbito de trabalho”, que “se incorporará um enfoque transversal de etnia, gênero, mulher, família e geração”, e as reiteradas alusões à comunidade LGBT, que sabe que terão que ver com a insurgência das FARC.
O Acordo cria uma Missão Eleitoral Especial com o Centro Carter! Essa organização anti-semita financiada pelos sheiks árabes que, junto com César Gaviria, avalizou o sistema eleitoral fraudulento imposto na Venezuela desde 2004. Basta ver como ajuda “a promoção dos partidos, direito ao protesto, mobilização, organização, igualdade de condições na competição política”, a “promover a maior participação eleitoral” e sobretudo “o reconhecimento e respeito ao opositor político”.
São exatamente os mesmos atores, com o mesmo discurso e plano de destruição entremeados em um documento obscuro que os colombianos vão votar, embora muito poucos tenham lido e menos ainda compreendido, induzidos por uma propaganda oficial insidiosa e, isso sim, muita, muita corrupção, tal qual fizeram na Venezuela. Se restaram dúvidas, aparece Mario Vargas Llosa que outra vez abusa do tremendo alto-falante que lhe oferecem o Prêmio Nobel da Paz e o diário El País da Espanha, para crivar de balas a opinião pública com falácias dando-lhes um verniz de respeitabilidade intelectual.
Como faz quando agride Israel utilizando renegados judeus, toma a opinião de um colombiano, Héctor Abad, que apesar de seu pai ter sido assassinado por paramilitares, assegura que “já não me sinto vítima”, embora em seu artigo compare criticamente a desmobilização dos paramilitares com o pacto Santos-Timochenko. A posição dos ex-presidentes Pastrana e Uribe ele a explica como uma questão de ciúmes porque Santos teria conseguido o que eles não puderam, lhe parece compreensível que adotem para sua inveja uma máscara mais nobre, o rechaço à impunidade. Porém, ela é um preço muito baixo para a Paz, ademais, para impunes, as auto-defesas. De seu cunhado, Federico Uribe, seqüestrado pelas FARC, diz: “Talvez tivesse o sobrenome equivocado”.
A Vargas Llosa lhe parece memorável esta argumentação de que “ajuda a ver claro onde tudo parecia confuso”. Porém, seu maior erro é comparar os casos da Irlanda, El Salvador e Guatemala que, embora não sejam comparáveis, inquieta advertir que o Sinn Fein é governo na Irlanda, o FMLN em El Salvador e é falso que este último e Guatemala vivam hoje em paz, tendo índices de violência, criminalidade e corrupção só superado pelos que a Venezuela sofre. A pergunta de Héctor Abad que convenceu Vargas Llosa é falaciosa com um toque aterrador. “Não é melhor um país onde teus próprios seqüestradores estejam livres fazendo política, em vez de um país em que esses mesmos tipos estejam perto de tua fazenda, ameaçando teus filhos, meus sobrinhos, e aos filhos de teus filhos, teus netos?”.
Clamorosamente NÃO! Alarma que na mente de pessoas inteligentes e informadas caiba a idéia de que uma boa solução contra a ameaça de salteadores seja mandá-los ao Congresso!, para que façam as leis que regerão à ti, a teus filhos e a teus netos, e que algo assim o diário El País publique com grande destaque. É difícil saber que sentido de justiça terá Vargas Llosa ou o senhor Abad, de quem só sabemos que não abriga em sua alma desejos de vingança, pelo qual sua decisão não deve ser influenciada “pelas garantias de segurança e luta contra as organizações criminais sucessoras do paramilitarismo”.
Seria interessante conhecer sua comparação entre o compromisso do governo para a “revisão dos antecedentes dos servidores públicos em todas as instituições do Estado, com a finalidade de verificar qualquer envolvimento que tenham tido os anteriores com grupos e/ou atividades de paramilitarismo”. Por outro lado: “O governo nacional impulsionará as medidas necessárias com o objetivo de depurar dos bancos de dados das centrais de inteligência e segurança, os nomes e informações relativas às e os integrantes de organizações de direitos humanos, integrantes da oposição e das e dos integrantes do novo movimento político que surja do trânsito das FARC à atividade política e de seus familiares”. O que nos conduz ao aspecto subversivo do Acordo que destrói por completo princípios essenciais de Direito com a Igualdade ante a Lei, a não retroatividade das normas, a Coisa Julgada, o Juiz Natural, apaga a diferença entre anistia e indulto como prerrogativas legislativa e executiva, respectivamente e impõe julgamentos stalinistas de confissões forçadas.
O Acordo foi aprovado “por unanimidade” na X Assembléia das FARC, o que ilustra sua idéia de democracia, enquanto Santos o consigna na ONU e deposita em Genebra assimilando-o a um Tratado Internacional de Caráter Humanitário, ambos se socorrem ao Fato Cumprido independentemente do que ocorra no Plebiscito.
Desde o Olimpo Vargas Llosa nunca responderá por estas questões que angustiam os simples mortais, como não lhe incomoda coincidir com Pablo Iglesias (de “Podemos” da Espanha) que também vota “SIM”, enquanto se diverte em ódio anti-semita desde a emissora iraniana Hispantv e oferece assessorias remuneradas ao regime de Maduro que declarou que os Acordos são “parte do legado do comandante Hugo Chávez para nossa América”. No fundo, reconforta observar que no fim todos terminam reunidos no mesmo barco. 

* - Advogado, especialista em Direito Constitucional, professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito na Universidade Central da Venezuela.

Notas da tradutora:
[1] Para nós, “porta-voz” é comum de dois gêneros mas em espanhol é “vocero” e “vocera”, daí não ser possível traduzir nos dois gêneros.
[1] 8 milhões de pesos correspondem a R$ 8.872,00.
Tradução: Graça Salgueiro

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