Chico
Buarque, Raduan Nassar e outros têm direito de defender quem quiserem -
Lula, Dilma, Fidel et caterva na linha de frente -, mas não de bancar
os donos da verdade, principalmente em relação à política. "Tão natural é
que Chico integre a comitiva oficial dos golpeados no Senado quanto
desonesto é que sua presença seja vendida como a própria representação
da verdade". Artigo do editor Carlos Andreazza, publicado no jornal O
Globo, vai ao ponto:
É
possível gostar — ou não — da obra de Chico Buarque apesar desse flerte
com a censura e independentemente de seu apoio incondicional à ditadura
de Fidel Castro. A incapacidade de fazer tal distinção de campos é um
dos nódulos da doença brasileira.
Nada
de errado há, pois, em que um artista, em sua condição individual (a
que a todos iguala), tome partido e — oh! — erre. Convém que atentemos a
isso — que humanizemos o mito — no momento em que tanto se fala sobre
como cada um entrará para a história à luz do impeachment de Dilma
Rousseff.
Autoritário,
contudo, é que a posição política de um artista, porque artista,
imponha-se como superior à dos que não concordam com ele. Fama não crava
certeza. Talento não ergue pensador. Voz não esculpe compromisso com a
liberdade — aí está Roberto Carlos a nos lembrar. E olhos verdes não nos
fazem enxergar melhor.
De
modo que: tão natural é (cafonice à parte) que Chico Buarque integre a
comitiva oficial dos golpeados-fatiados no Senado quanto desonesto é que
sua presença seja dada — vendida — como a própria representação da
verdade, indicação luminosa do time para o qual torcer, comprovação
moral de que, sim, é golpe.
Ante
tudo quanto já apurado pela Lava-Jato, diante do conchavo para
preservar os direitos políticos da ex-presidente, de onde poderá vir
tanta certeza? Não seria a dúvida — a desconfiança — o lugar da arte? A
facilidade, porém, com que artistas de relevo, vertidos em razão, são
mitificados e tornados faróis por meio dos quais precisamos nos orientar
é outro dos nódulos da doença brasileira.
O
escritor Raduan Nassar interrompeu décadas de silêncio para publicar um
artigo a favor dos governos petistas. Ali falou — legitimamente — o
homem. No entanto, o conteúdo de seu texto foi escanteado —
instrumentalizado por aqueles patrulheiros de sua mesma facção. O
importante, segundo o enredo golpeado-fatiado, não era subsidiar a troca
de ideias com a palavra de um indivíduo, também artista, mas dar
publicidade a que um gênio quebrara anos de reclusão em nome da causa. O
silêncio de repente rompido era — per se — o argumento de autoridade. E
bastava — porque cumpria o papel de desqualificar a posição dos
mortais.
E
não terá sido sempre assim? Aquelas dezenas de artistas reunidos, a
cada quatro anos, para reafirmar apoio, sem autocrítica, ao PT — o que
apregoam senão um argumento de autoridade com a redentora chancela da
classe artística? Há quantos anos o partido se serve de artistas —
dando-lhes, em troca, a aura de engajados — para que seu programa de
tomada do Estado se esparrame charmosamente?
No
Brasil, a carteirada mais comum é a que se utiliza da notoriedade
conquistada sobre um palco ou na televisão — no ambiente, pois, da
cultura e do entretenimento — para pontificar acerca de questões que se
conhece apenas superficialmente, ou que mesmo se ignora. Há
irresponsabilidade nisso. Mas não só.
Valer-se
da popularidade arrebanhada com o violão para influir — desde cima — no
debate público é exercício de poder equivalente àquele dos coronéis
nordestinos. Em resumo: o manejo do patrimônio pessoal como ferramenta —
cabresto — de dominação política. Chico Buarque pode ter se feito o
maior compositor do mundo, mas é tão herdeiro, no território da cultura,
quanto Aécio Neves no da política. Sérgio, imenso, e Tancredo,
supervalorizado, deram-lhes alguma vantagem. Mas isso não os faz
menores. São indivíduos.
Se
54 milhões de votos jamais serão salvo-conduto para que um governante
invista contra a Constituição, tampouco o será a opinião de um
militante; porque foi nesta condição — legítima, mas não diversa da dos
que carregam o cartaz “Sérgio Moro na cadeia” — que Chico Buarque esteve
no Congresso para assistir à última exibição oficial do dilmês. Ali,
pelo menos calado, ele prestou o mesmo serviço que os patriotas
Lindbergh, Gleisi e Vanessa. Ali, pelo menos de óculos escuros, ele era
Delúbio, Vaccari et caterva.
A
mitologia sobre Chico Buarque pode espernear à vontade, mas não o
imuniza — gente como a gente que é — de ser questionado por empenhar
tanta convicção na defesa de um partido, de um Lula; não o alivia do
peso da pergunta que ouvi de um grande homem, por acaso um grande poeta:
será que eles não têm dúvidas?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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