O Globo
Um dos principais paraísos fiscais do mundo, o Panamá, não colabora com as investigações da Lava-Jato. Os procuradores em Curitiba tentaram nos últimos meses ter acesso à íntegra de uma conta da Odebrecht no país, mas as autoridades panamenhas se recusaram a entregar os dados, por considerar que os números relatariam pagamentos a pessoas politicamente expostas do próprio Panamá, onde a Odebrecht toca diversas obras.
O Globo apurou que o envio de dados foi barrado pela autoridade central do país, responsável por formalizar o envio ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça no Brasil.
— Este é o primeiro caso que não foi integralmente apoiado por uma autoridade estrangeira e estamos em negociações. O Procurador-Geral da República (Rodrigo Janot) tenta diálogo com os colegas de lá para verificar que requisitos da lei (que trata do assunto) não estariam sendo observados — disse um dos envolvidos na negociação pelo lado brasileiro, em Brasília.
PANAMÁ DIFICULTA – As autoridades panamenhas pedem ao Brasil que especifique as transações da conta que interessam ao caso brasileiro. Para a Lava-Jato, a exigência interfere diretamente no sucesso da apuração.
— É como se eles dissessem: o que vocês já sabem a gente entrega, o que não sabem, não entregamos — critica um dos procuradores em Curitiba.
De acordo com a lei brasileira, funcionários de empresas nacionais que pagarem propina a funcionário público no exterior respondem pelo crime no seu país de origem.
Em vigor desde 2014, a Lei Anticorrupção ampliou as punições para a prática, ao prever responsabilização, tanto no âmbito civil como administrativo, das empresas que praticam atos contra a administração pública estrangeira.
NOVAS INVESTIGAÇÕES – Apesar de a Odebrecht negociar com a Lava-Jato um acordo de colaboração, que está em fase avançada, investigações sobre as atividades da empresa prosseguem em Curitiba.
Brasil e Panamá são signatários de quatro acordos de assistência em matéria penal, o que torna o caso ainda mais delicado. Em 2011, o Brasil promulgou em decreto o tratado bilateral sobre “auxílio jurídico mútuo em matéria penal”.
Os dois países são signatários de duas convenções das Nações Unidas que tratam do tema: a primeira contra o crime organizado transnacional (Palermo) e a segunda contra a corrupção (Mérida). Assinaram também a Convenção Interamericana sobre Assistência Mútua em Matéria Penal (Nassau). A embaixada do Panamá no Brasil foi procurada, mas não se manifestou até o fechamento da reportagem.
12 PAÍSES PEDEM DADOS – Pelo menos 12 países solicitaram nos últimos meses ao Ministério Público Federal brasileiro o compartilhamento de informações e provas obtidas nos mais de dois anos de investigações da Lava-Jato. A lista inclui desde vizinhos como Argentina, Peru e Uruguai a países mais distantes, como Dinamarca, Itália, Suíça e Liechtenstein.
Até mesmo o Panamá, que vem se recusando a enviar dados de uma conta Odebrecht, solicitou nos últimos meses dados às autoridades brasileiras. Completam a lista na América Central Andorra, Costa Rica e Porto Rico. Eles querem saber informações sobre empresas estrangeiras que pagaram propina na Petrobras e também pagamentos a funcionários públicos.
Por sua vez, o Brasil apresentou 94 pedidos de informação feitos a 30 países — a maior parte deles relacionado a informações de contas bancárias usadas para pagar propina.
SUÍÇA FACILITA – Para os procuradores de Curitiba, a colaboração mais exitosa ainda é a da Suíça. O país colabora tanto compartilhando dados e provas referentes a contas suspeitas de serem usadas para corrupção, como na recuperação de ativos e na captura de foragidos.
Há ainda uma quarta modalidade de colaboração — tecnicamente chamada pelos suíços de “delegação de persecução penal” — que prevê a transferência de um processo na íntegra para que seja julgado pelo governo brasileiro. É o caso, por exemplo, do caso do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cujos processos no Brasil foram instruídos com centenas de informações do procedimento suíço.
“Desde abril de 2014 o Ministério Público da Suíça abriu cerca de 60 processos criminais conectados com o caso da Petrobras. Os procedimentos incluem os casos de cidadãos brasileiros que não podem ser extraditados para a Suíça”, informou em nota o órgão suíço, explicando o motivo da transferência dos casos para que tramitem na Justiça brasileira.
FORO PRIVILEGIADO – A exemplo do que já aconteceu no caso envolvendo Cunha, um novo procedimento, ainda sob sigilo e envolvendo autoridade com foro privilegiado, chegou neste mês à Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília. A expectativa é de que pelo menos outros cinco novos procedimentos cheguem até dezembro.
Na avaliação dos procuradores em Curitiba, Estados Unidos, Portugal e Mônaco estão empatados em segundo lugar entre os que mais compartilham informações com a Lava-Jato.
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