domingo, 26 de junho de 2016

SUS sem reajuste coloca em risco trabalhos filantrópicos


Yuri Silva e Luana Almeida
A TARDE

  • Lucas Melo | Ag. A TARDE
    Osid prevê déficit em torno de R$ 18 milhões até o final do ano - Foto: Lucas Melo | Ag. A TARDE
    Osid prevê déficit em torno de R$ 18 milhões até o final do ano
O desenhista e palhaço Ivan Bastos, 46 anos, está internado no Hospital Santo Antônio, mantido pelas Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), na Cidade Baixa, desde o último dia 15. Assim que tiver alta médica, ele promete voltar à unidade para fazer um show artístico como forma de agradecer ao tratamento que vem recebendo contra erisipela (infecção na pele) e trombose. Ele é um dos pacientes que, beneficiados pelo atendimento da Osid, nem imaginam a dimensão do problema enfrentado pela unidade filantrópica de saúde.
Este ano, segundo a superintendente das obras, Maria Rita Pontes, a instituição  deve amargar déficit de R$ 18 milhões - 50% a mais do que o de 2015, quando a entidade perdeu R$ 12 milhões.
As dificuldades do Hospital Santo Antônio - assim como de outras entidades filantrópicas da capital - são atribuídas à falta de reajuste nos valores pagos pelo Ministério da Saúde (MS) aos hospitais que prestam serviço pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Esses valores, determinados na chamada "tabela SUS", estão, segundo fontes ouvidas por A TARDE, em descompasso com os custos reais dos procedimentos executados.
"O SUS nos paga R$ 500 pela diária de um leito de UTI, por exemplo, e o governo estadual complementa esse valor, chegando a R$ 1.290,97, mas o preço baixo que um convênio pagaria por esse serviço é R$ 3.500", ilustra a gestora de saúde das Obras Irmã Dulce, Lucrécia Savernini. No final do mês, a soma de cada procedimento remunerado abaixo do custo real resulta em um déficit de R$ 1,5 milhão.
O agravamento dessa situação, segundo Maria Rita Pontes, coloca em risco a instituição filantrópica, responsável por cerca 4,6 milhões de atendimentos ambulatoriais por ano. Ela evita, no entanto, tratar de um possível fechamento da unidade ou de redução da capacidade. "Não queremos nem pensar nisso, mas vai ficar muito complicado caso essa crise seja agravada", reconhece a gestora.
O rombo deixado pela desatualização do SUS é coberto, segundo Lucrécia Savernini, por doações, empréstimos bancários e vendas dos produtos de panificação do selo Irmã Dulce.
Economia
Janelas abertas e  luzes apagadas demonstravam o esforço para economizar com a mudança de hábitos. A orientação passada pela direção é que, onde for possível, como as enfermarias, aparelhos de ar-condicionado devem ser desligados.
O contingenciamento atinge também o trabalho dos profissionais. "Deixamos de usar duas bolinhas de algodão e usamos uma, para não reduzir os internamentos. Todo ano temos dificuldades, mas em 2016 está sendo demais", afirma a enfermeira Irina Alencar, que trabalha no Hospital Santo Antônio há dez anos.
Instituições acumulam dívidas
A situação da Osid se repete em outras unidades filantrópicas, como o  Martagão Gesteira - Hospital da Criança. De acordo com Antônio Novaes, superintendente da Liga Álvaro Bahia Contra a Mortalidade Infantil, mantenedora da unidade, só esse ano, entre janeiro e junho, a instituição já acumula R$ 5 milhões em dívidas com fornecedores e funcionários.
Outros R$ 20 milhões são devidos à Caixa Econômica Federal (CEF) por empréstimos obtidos para pagar o rombo deixado pelos pagamentos do SUS. Novaes reclama dos valores pagos pelo sistema às unidades filantrópicas, em comparação com outros hospitais.
Segundo ele, uma consulta médica do Hospital da Criança de Feira de Santana, administrado pela Liga Álvaro Bahia, custa R$ 53, enquanto o Martagão recebe apenas R$ 17 pelo mesmo serviço. "Nós só queremos justiça. Queremos que o poder público refinancie as unidades", propõe.
A situação do hospital é semelhante ao das Obras Sociais Irmãs Dulce em um aspecto: depende totalmente do SUS. Apenas 2% da receita da unidade vêm de doação, os outros 98% do sistema. No mês, entre contratos com o município e o estado, são arrecadados R$ 4,2 milhões - o que representa um déficit de R$ 600 mil mensais. "Cobrimos parte disso com R$ 70 mil em doações por mês que recebemos - o resto é déficit", relata.
Qualidade
Na Santa Casa de Misericórdia da Bahia, segundo o provedor da unidade, Roberto Sá Menezes, a manutenção da qualidade do atendimento depende do investimento anual de R$ 40 milhões da própria instituição.
"Poderia ser menos se os valores pagos pelo SUS fossem atualizados. Assim, poderíamos investir na compra de mais equipamentos, por exemplo", explica.

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