Artigo de Carlos Alberto Sardenberg, publicado no jornal O Globo:
Sempre há
um jeito de ver a cena econômica pelo lado positivo. Não se trata de
torturar os números, mas, ao contrário, de aplicar um tratamento de
beleza. O desemprego está em alta e os salários em queda? Ok, isso vai
ajudar na derrubada da inflação. Faz sentido, não é mesmo? Se as pessoas
não estão comprando, os preços não podem subir.
O Produto
Interno Bruto, ou seja, produção e consumo caíram 0,3% no primeiro
trimestre deste ano, na comparação com o trimestre anterior? Pois isso
saiu melhor que a esperada queda de 0,8%. Além disso, desde o segundo
trimestre do ano passado o PIB cai cada vez menos.
Logo, o Brasil vai de pior a mal, na boa frase da revista “Economist”.
Manipulações
à parte, há dois pontos básicos a considerar. Primeiro, é
impressionante o tamanho do estrago promovido pelo governo Dilma
Rousseff. O número de desempregados chegou a 11,4 milhões — como se uma
cidade inteira de São Paulo estivesse sem trabalho. E vai piorar, pois
os investimentos continuam em queda — como mostrou o IBGE ontem, na
divulgação do PIB. Comparando com um ano atrás, o país tem hoje mais 3,4
milhões de desempregados.
O segundo
ponto é a consequência do primeiro: vai levar tempo, esforço e
sacrifício para consertar esse desastre. Tem jeito. Quer dizer, há
receitas econômicas disponíveis, e o governo Temer montou uma equipe
capaz de executá-las.
Há
até, com boa vontade, alguns fatores que ajudam. As exportações, por
exemplo, estão crescendo. Na verdade, quando se observa o PIB, é o único
setor em alta. Menos mal que se trata de uma alta consistente: o real
desvalorizado ajuda de maneira decisiva, assim como as importações chinesas de alimentos. E José Serra, no Ministério das Relações Exteriores, tem condições de ampliar os mercados.
No
cenário interno, a inflação está de fato desacelerando. É por um mau
motivo, a combinação recessão/desemprego, mas vai dar algum alívio nos
próximos meses.
Mas,
afinal, tudo depende da volta do consumo e dos investimentos. E essa
retomada depende da confiança de consumidores e empresários. Há técnicas
para medir isso — e elas mostram que todos continuam pessimistas, na
indústria, no comércio e no consumo.
De novo
com boa vontade, pode-se dizer que esses índices não estão mais
afundando. Pararam de piorar. Ok, mas não basta para turbinar gastos e
investimentos privados. Como o governo está quebrado, como sair dessa?
Eis o ponto crucial do momento: o ambiente político vai ajudar ou atrapalhar?
Havia um
amplo consenso: o governo Dilma não tinha a menor possibilidade de
consertar o estrago criado por ele mesmo. Logo, sua queda foi um fator
de alívio e alguma melhora na confiança e nas expectativas.
Isso tem
prazo de validade — e muito curto. Daqui em diante, não adianta o
pessoal do governo Temer dizer que antes era pior e agora só está mal.
Precisa mostrar resultados.
Claro,
ninguém espera que o Brasil volte a crescer imediatamente. Mas todo
mundo espera que o governo coloque em prática a nova política econômica,
o que significa, no momento, a aprovação de leis e regras no Congresso
Nacional.
Ora, como
Michel Temer vai conseguir a maioria para votar essa legislação?
Distribuindo cargos para gente envolvida na Lava-Jato? Perdendo um
ministro por semana?
As
delações continuam tumultuando o ambiente político. Há vazamentos para
todos os gostos, e nenhum sinal de que isso vá parar. Deputados e
senadores sentem-se ameaçados e muitos querem do governo — e dos
tribunais — algo impossível, a contenção da Lava-Jato.
Se a
economia estivesse razoavelmente bem, o presidente Temer poderia dar um
tempo. Esperar que a Lava-Jato fizesse todo o estrago, e aí então
trabalhar com os que sobrassem. É claro que não tem essa alternativa.
Parece
que se trata do contrário. Ele precisa de algum resultado na economia
para ganhar moral na política. Mas, já perceberam, precisa da política,
ou seja, de algumas votações no Congresso para encaminhar a política
econômica.
Demanda muita competência. A ver.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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