O Globo
Alçado à presidência interina da Câmara após o afastamento do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no início do mês, Waldir Maranhão (PP-MA) mentiu à Justiça Eleitoral maranhense num processo de investigação de suas contas eleitorais, o que pode, agora, criar-lhe novos problemas jurídicos e agravar sua situação política — fragilizada a ponto de impedir que ele consiga presidir uma simples sessão ordinária sem ser alvo dos protestos de seus pares.
Para explicar os recursos arrecadados para a campanha de 2010, Maranhão informou à Justiça Eleitoral ter doado para si mesmo R$ 557,6 mil, ou 68% do custo total.
No processo aberto para apurar possíveis irregularidades na prestação de contas, o parlamentar afirmou que vendeu sua casa, em um dos bairros mais nobres de São Luís. Mas, como O Globo constatou, o imóvel nunca deixou de estar em nome do deputado e de sua mulher, a pedagoga Elizeth Azevedo, e é o local onde o casal vive até hoje.
AÇÃO CRIMINAL
De acordo com especialistas, o parlamentar pode ser alvo de uma ação criminal ou eleitoral por fraudar as contas de campanha.
Desde que assumiu a presidência interina da Câmara, Maranhão vive a insólita situação de não poder desempenhar suas funções. No capítulo mais surpreendente do processo de impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, o deputado anulou na véspera a sessão de votação na Câmara, mas, poucas horas depois, voltou atrás. Sua atitude gerou revolta, e, desde então, ele vive sob os protestos de colegas, que já gritaram “Fora, fora, fora”, expulsando-o do plenário. Nos bastidores, há uma articulação para esvaziar os poderes do presidente interino.
CONTAS DE CAMPANHA
Em 2010, Waldir Maranhão empregou R$ 821,7 mil em sua tentativa de se reeleger deputado, sendo R$ 557,6 mil de recursos próprios. Os números chamaram a atenção do Ministério Público Eleitoral (MPE) pelo fato de o parlamentar ter declarado possuir um patrimônio de apenas R$ 16,5 mil.
Nos autos do processo sobre a prestação de contas, Maranhão argumentou que obteve empréstimo de R$ 98 mil do Banco do Brasil e que o restante veio da remuneração que recebeu ao longo dos anos como parlamentar e secretário de Ciência e Tecnologia do Maranhão, no governo de Roseana Sarney. Segundo a defesa do deputado, esse dinheiro não apareceu na declaração de bens à Justiça Eleitoral porque houve erro quando seu partido preencheu o registro de candidatura.
MUDOU A VERSÃO
No entanto, diante da desconfiança dos promotores, Maranhão mudou a versão. Disse que, além do empréstimo, a renda veio também da venda de sua casa, no número 370 da Alameda Campinas, em Olho D’Água, por R$ 550 mil, a João Martins Araújo Filho. Chegou a apresentar uma promessa de compra e venda do imóvel assinada por ambos.
Os vínculos entre Maranhão e Martins não são poucos. Em dezembro de 2009, o parlamentar era secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, quando nomeou Martins para o cargo de superintendente de Educação Superior e Profissional. Em 2010, o suposto comprador da casa doou R$ 11 mil à campanha do deputado.
Hoje, Martins preside a Comissão Setorial de Licitação da Secretaria de Cidades e Desenvolvimento Urbano (Secid) do Maranhão, órgão onde estão lotados outros seis doadores de campanha de Maranhão e duas irmãs do parlamentar.
CONTAS REJEITADAS
A explicação não convenceu, e a Justiça Eleitoral desaprovou suas contas eleitorais. O Ministério Público entrou com uma representação pedindo a perda de seu mandato, pela não comprovação da origem de parte dos recursos financeiros arrecadados em 2010.
A defesa alegou que o pagamento pela venda da casa seria feito em três parcelas. No entanto, o sigilo bancário de Maranhão foi quebrado, e não havia nenhum repasse dos valores. Outra evidência da fraude é que o imóvel continua no nome do parlamentar e da mulher, conforme documento obtido pelo GLOBO no 1º Registro de Imóveis de São Luís.
Num primeiro contato, o advogado de Maranhão, Michel Saliba, alegou que a efetivação da compra no cartório é obrigação do comprador:
— O registro é só um detalhe. Hoje, os custos são muito altos, o que inibe as pessoas de fazer. Isso é algo que valeria, inclusive, uma reportagem. Mas, enfim, se o comprador não fez, não é culpa do deputado.
DECLAROU DE NOVO
Porém, o próprio parlamentar voltou a declarar o imóvel à Justiça Eleitoral em 2014. Em um segundo contato, o advogado alegou não saber da informação e que pode ter havido um erro:
— O fato de constar na declaração pode ter sido um mero equívoco do contador.
O Globo foi ao número 370 da Alameda Campinas na última quarta-feira e, ao chegar lá, deparou-se com um Toyota Hilux 4X4, com a placa JHO-0934, de Brasília, estacionado em frente ao endereço. O veículo, com essa mesma placa, foi declarado por Maranhão na campanha de 2010, à época com valor de R$ 160 mil.
Ao pedir para falar com Maranhão ou a mulher, O Globo confirmou que os dois moravam no imóvel e foi avisado de que eles não estavam em casa. Um funcionário disse não saber a que horas os dois voltariam e anotou o número de contato do Globo. O presidente interino da Câmara e a mulher não retornaram.
Após inúmeros recursos, os promotores pediram, e o Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (TRE-MA) arquivou o caso em 2015 — não porque o deputado tenha provado a origem do dinheiro, mas porque o mandato dele já havia terminado em 2014. Sem mandato para ser cassado, houve perda de objeto. Por conta disso, o caso nunca chegou a ser julgado.
‘NÃO RESPONDE A PROCESSO’
Procurado pelo Globo por e-mail, Maranhão não tratou das evidências de que prestou informações falsas à Justiça Eleitoral. Limitou-se a dizer que não responde a processo:
“A assessoria de imprensa da presidência da Câmara informa que o presidente Waldir Maranhão não responde a qualquer processo no Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Em sessão realizada em maio de 2015, o pleno do tribunal decidiu que a ação que pesava contra o parlamentar teve perda de objeto e, por isso, foi arquivada. O próprio MPE — autor da ação contra o parlamentar — admitiu a perda de objeto da ação, já que pedia a perda do mandato obtido em 2010”, diz a nota enviada pela assessoria.
Diante das evidências de que não houve a venda da casa, especialistas afirmam que o parlamentar ainda pode sofrer processos, mesmo depois de o TRE do Maranhão ter arquivado o caso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário