sábado, 28 de maio de 2016

Governo estimulou e avalizou o crescimento da dívida externa dos Estados


Charge do Henrique, reprodução da Tribuna da Imprensa
Marcello Corrêa
O Globo
Os estados brasileiros, que vivem penúria financeira e uma batalha pela renegociação de seus quase impagáveis débitos com a União, viram recentemente outra bola de neve crescer: a dívida externa. Com o respaldo do Tesouro Nacional comandado pelo ex-secretário Arno Agustin — que fez da tomada de crédito no exterior uma ferramenta para afrouxar as amarras para gastos impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), após queda dos repasses federais —, a dívida líquida dos governos estaduais com credores internacionais, em dólar, cresceu 155% entre março de 2011 e março de 2016, atingindo a marca de US$ 29,3 bilhões (mais de R$ 105 bilhões, ao câmbio da última quarta-feira).
Os dados são do Banco Central (BC). Para efeito de comparação, a alta registrada durante os oito anos de governo Lula foi bem menor, de 58%. Entre 2003 e 2016, o peso dos contratos com credores internacionais no total da dívida dos estados mais que dobrou: passou de 6,64% para 15,74%.
O estoque não faz frente ao montante da dívida interna — hoje em R$ 559 bilhões —, mas já começa a fazer diferença nas contas debilitadas dos governos estaduais. Em grave crise fiscal, o Rio já deixou de pagar uma parcela de R$ 8 milhões de sua dívida externa, por falta de recursos, como revelou o GLOBO nesta semana.
INADIMPLÊNCIA
Fontes próximas a organismos internacionais afirmam que pelo menos mais um estado está em débito com credores externos. O Tesouro afirma que, até agora, só foi notificado sobre a inadimplência do Rio. Mas, nos bastidores, Rio Grande do Sul e Minas Gerais preocupam.
A maior parte dos empréstimos é de organismos internacionais. De 2009 a 2015, cerca de 46% do valor de operações foram originados no Banco Mundial (Bird) e 32%, no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, os empréstimos contratados por estados junto a instituições internacionais precisam ser avaliados pelo Ministério da Fazenda e autorizados pelo Senado. Segundo especialistas, o aumento do endividamento externo nos últimos anos reflete uma menor rigidez da União na análise dessas operações, autorizadas inclusive para estados com notas de classificação baixas, C e D, numa escala do próprio Tesouro que vai de A a D.
IRRESPONSABILIDADE
— Nos últimos anos, o governo federal relaxou as condições para captação dos estados. E o que mais aumentou nesse período foi a folha de pagamento de pessoal. Ou seja, a gente não consegue ver um retorno (dos empréstimos) — critica Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos.
Procurado, o Tesouro disse não ter responsabilidade: “Verificados os limites e condições, cabe ao Senado a autorização das operações externas, conforme estabelecido no artigo 52 da Constituição Federal”.
Segundo dados do Tesouro consolidados até o fim de 2015, o maior estoque de dívida externa é de São Paulo, R$ 18,1 bilhões. O valor é 187% superior ao acumulado até 2012, quando o total contratado era de R$ 6,3 bilhões. O serviço da dívida subiu de R$ 422 milhões para R$ 1,1 bilhão nesse período. O estado tem nota C-, atribuída pelo Tesouro.
VARIAÇÃO CAMBIAL
O secretário da Fazenda de São Paulo, Renato Villela, pondera que a alta está muito relacionada à variação cambial e que o salto percentual é maior porque os números são menores em relação aos da dívida interna. Ele alega que o endividamento foi favorecido também por condições mais atraentes no mercado global.
— As taxas de juros internacionais são muito menores que as taxas de juros internas. Isso foi um fator de atração. Outro fator de aumento de dívida, e isso conta para a externa também, é que você não contabiliza a dívida enquanto o recurso não é desembolsado. Por exemplo, você faz uma operação de US$ 1 bilhão, e tem US$ 400 milhões agora e o resto nos próximos quatro anos, esse valor vai sendo contabilizado aos poucos — afirma Villela, que destaca que o estoque de dívida externa corresponde a 8,2% do total dos débitos do estado.
DÍVIDA DO RJ CRESCE 170%
Em nota, o coordenador dos 27 secretários de Fazenda do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), André Horta, disse que os secretários ainda não têm posicionamento sobre o assunto.
A dívida do Rio — nota D na avaliação do Tesouro — também cresceu nos últimos anos. Em 2015, o montante era de R$ 14,3 bilhões, contra estoque de R$ 5,3 bilhões registrado em 2012, uma alta de 169,8%. Em nota, a secretaria estadual de Fazenda disse que “está se esforçando para honrar os pagamentos relativos ao serviço das dívidas contraídas junto à União e instituições financeiras nacionais e internacionais”. Segundo os dados do Tesouro, o serviço da dívida com credores internacionais do Rio foi de R$ 462 milhões no ano passado.
GOVERNO ESTIMULOU
Para a professora da UFRJ Margarida Gutierrez, especialista em contas públicas, o maior problema do aumento da dívida externa não é o volume dos débitos, pequeno em relação ao total de despesas dos governos. Ela critica as operações por entender que o crédito ajudou a postergar o ajuste necessário as contas estaduais:
— Foi claramente uma maneira de dar aos estados uma possibilidade de saírem do rigor fiscal a que foram submetidos com a repactuação da dívida com a União no fim dos anos 1990. O resultado disso não foi bom. A questão não é o grau de endividamento, mas é a possibilidade de aumentar gastos sem burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal.
FOI FACILITADA
O economista Luiz Arruda Villela, ex-integrante do BID, avalia que o aumento da dívida externa foi uma forma de contrapartida oferecida pela União, após o corte nas alíquotas de impostos como o IPI, cuja arrecadação é compartilhada com os estados por intermédio do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Com a receita dos tributos comprometidas, a União passou a dar mais aval para empréstimos do exterior:
— A expansão da dívida foi estimulada pelo governo federal, que não apenas deu aval, mas chegou a pré-pagar dívida da União junto ao Banco Mundial e ao BID para que estes emprestassem mais aos estados. Os estados perdiam recursos do FPE devido à exoneração do IPI e, frente às reclamações, facilitou o endividamento — explica Luiz Arruda Villela.

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