terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Os 100 anos de Ulysses


Ulysses GUimarães enfrentando os cães da ditadura em Salvador
Sebastião Nery
Ninguém me contou. Eu vi. Estava lá. Às 19 horas de um sábado, em 1978, no “hall” do Hotel Praia-Mar, em Salvador, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Roberto Saturnino e Freitas Nobre receberam a visita de toda a direção do MDB da Bahia com a notícia nervosa:
– A Polícia Militar havia cercado a praça do Campo Grande e comunicado oficialmente ao partido que não ia permitir a reunião para lançamento das candidaturas da Oposição da Bahia ao Senado.
– Isto é ilegal – disse Ulysses. – A portaria do Ministério da Justiça proíbe concentrações em praça pública, mas não em recinto fechado. A sede do partido é inviolável.
Ulysses esfregou as mãos na testa larga, desceu pelos olhos fechados, levantou-se:
– Vou entrar de qualquer jeito. Vamos entrar. É uma arbitrariedade sem limites.
A BATALHA
Em vários automóveis, saímos todos, políticos e jornalistas, com encontro marcado em frente ao Teatro Castro Alves, do outro lado da sede do MDB, no Campo Grande. Era um campo de batalha: 500 homens de fuzil com baioneta calada, 28 caminhões-transporte, dezenas de patrulhas, lança-chamas, grossas cordas amarradas nos coqueiros em torno da praça.
Ulysses desceu do carro, olhou, meditou, comandou:
– Vamos entrar na praça e no partido! Vamos rápido, sem conversar.
Avançou. Atrás dele, Tancredo, Saturnino e a mulher, Freitas Nobre, Rômulo Almeida, Newton Macedo Campos e Hermógenes Príncipe (os três candidatos do MDB ao Senado), deputados Nei Ferreira, Henrique Cardoso, Roque Aras, Clodoaldo Campos, Aristeu Nogueira, Tarsílo Vieira de Melo, Domingos Leonelli, vereador Marcello Cordeiro, Nestor Duarte Neto, eu e outros jornalistas. Uma cerca de fuzis e os soldados empertigados. Quando nos aproximamos, um oficial gritou:
– Parem! Parem!
Ulysses levantou os braços e gritou mais alto:
– Respeitem o presidente da Oposição!
Meteu a mão no cano de um fuzil, jogou para o lado, atravessou. Tancredo meteu o braço em outro, passou. O grupo foi em frente. Três imensos cães negros saltam sobre Ulysses, Freitas Nobre dá um ponta-pé na boca de um, Rômulo Almeida defende-se de outro. Chegamos todos à porta da sede do MDB, entramos aos tombos e solavancos. Ulysses sobe à janela, ligam os alto-falantes para a praça:
– Soldados da minha Pátria! Baioneta não é voto, boca de cachorro não é urna!
E os cabelos brancos se iluminavam como coqueiros ao vento.
Era o comício que não tinha sido planejado: 14 discursos e uma passeata. Graças à coragem, decisão e valentia de Ulysses.
(Meu prefácio ao livro de Ulysses Guimarães “Rompendo o Cerco” – 1978)
CENTENÁRIO
Falta pouco para o centenário de Ulysses Guimarães, quando São Paulo e o Brasil vão relembrar os 100 anos do grande brasileiro. Nascido em 6 de outubro de 1916 (e desaparecido em outubro de 1992), Ulysses está chegando ao centenário: 6.10.1916. Neste século, poucos brasileiros tiveram sua grandeza.
JK E ULYSSES
“Há muito tempo que não leio uma peça oratória tão rica em substância, e tão profunda em conteúdo como a que você proferiu na Convenção do MDB, aceitando sua candidatura (a Presidente da República) e fixando conceitos da mais alta transparência. E ouvir uma voz, como a sua, erguendo-se do fundo de todas as expectativas, enche-nos de esperanças.” (Carta de JK a Ulysses)

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