domingo, 29 de novembro de 2015

Listas de gírias cariocas se espalham pela internet para ajudar estrangeiros


O próprio perfil oficial da organização dos Jogos Olímpicos no Facebook ostenta um álbum batizado de Carioca Dictionary

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iG - O Dia
Publicada em TRIBUNA DA BAHIA
Foto: Reprodução
Com a aproximação da Olimpíada e Paralimpíada de 2016, que terá o Rio de Janeiro como sede principal, estão surgindo na internet listas de gírias cariocas com traduções para os gringos, opa, estrangeiros. Bem humorados, os sites informam que a intenção é ajudar os turistas de fora a não ficarem ‘bolados’, quer dizer, confusos, ao dialogar com os nativos da Cidade Maravilhosa. Afinal de contas, segundo o último balanço do Ministério do Turismo, um quarto dos 2,4 milhões de ingressos já vendidos (600 mil) foram comercializados no exterior. Saca irmão? Epa, entende meu caro?
O próprio perfil oficial da organização dos jogos no Facebook ostenta um álbum, batizado de Carioca Dictionary. Nele, há a reprodução de páginas em forma de dicionário com a descrição de dialetos tradicionais, inventados na cidade. É o caso da palavra ‘vacilo’.
“O carioca considera um vacilo quando a chuva o impede de desfrutar a praia”, diz a explicação em inglês. Para as expressões ‘tô ligado’ e ‘já é’, o Carioca Dictionary exemplifica: “quando alguém menciona que o pôr do sol do Arpoador é bonito, o carioca responde: ‘tô ligado’. E quando o carioca gosta de uma ideia, diz ‘já é’”.
No Diário do Rio, um dos muitos blogs com dicionários virtuais populares, cujos autores julgam ser a melhor definição para gírias, ‘maluco’ como os cariocas já estão ‘carecas’, ops, cansados de saber, significa indivíduo. Juntando maluco com as palavras ‘explanar’ e ‘geral’, citadas em outro blog, do Jorge, pode-se chegar à seguinte frase: “o maluco explanou pra geral da ‘mulé’ que tu tá a fim na balada”. Traduzindo: “o rapaz espalhou para todo mundo sobre a mulher que você quer namorar no baile”.
O último dicionário de gírias foi criado na quarta-feira pelo site ‘BuzzFeed’, uma empresa norte-americana de notícias. “Aí maluco, se liga nessa parada sinistra. Este minidicionário vai te ajudar a entender melhor o Rio”, propagandeia Alexandre Orrico, da equipe BuzzFeed no Brasil. Nele, entre outras, Orrico aborda a palavra ‘irado’. “É o equivalente ao ‘da hora’ paulista. O mesmo que ‘bom demais da conta’, do mineiro”, detalha.
Segundo historiadores, o sotaque, a gíria e o “gingado de voz” do carioca exprimem seu orgulho pela cidade. O historiador Adão Silva disse que vê apenas como uma brincadeira, extrovertida, os dicionários virtuais. “Esses manuais informais exprimem o bom astral, a fanfarrice natural de quem nasce no Rio”, define. Se o visitante estiver nesta sintonia, vai se entender bem com os cariocas.

Americano ficou ‘bolado’ com ‘caô’ na praia e boliviano não sabia o que era ‘busão’
O linguajar carioca, mesmo sem ser carregado de tantas gírias, ganhou fama a partir da década de 1930. De lá até então, o jeito de falar dos moradores do Rio de Janeiro, que vira e mexe é motivo de discussões em outros estados, já foi eleito pelo menos duas vezes como modelo, como referência a ser seguida pelo restante do país.
“Foi assim em dois congressos nacionais, o de Língua Cantada, de 1937, organizado por Mário de Andrade, e o de Língua Falada no Teatro, de 1956, realizado em Salvador”, lembra o historiador Adão Silva, estudioso da língua portuguesa.
Quanto aos dicionários de ‘carioquês’ acessados com cada vez mais frequência pelos internautas, o historiador observa que jamais devem ser levados a sério. “Obviamente, são apenas brincadeira, embora devam realmente auxiliar muitos estrangeiros. Mas a maior parte dos sites com os verbetes é abarrotada de erros de português”, adverte.
Segundo o Ministério do Turismo, até o último dia 15, os americanos foram os que mais tinham comprado ingressos para as Olimpíadas 2016. Para eles já foram vendidas mais de 88 mil entradas para dezenas de modalidades de jogos. Na sequência vêm os franceses, com mais de 54 mil ingressos já adquiridos, e em terceiro, a Alemanha, com 42 mil bilhetes comprados.
O engenheiro americano Josué Taylor, 32 anos, que estava de férias no Brasil até a semana passada, confessou a amigos brasileiros, antes de “meter o pé, de vazar na pressão” — quer dizer, voltar rápido para seu país de origem — que chegou a ter dificuldade para compreender alguns diálogos com cariocas no hotel onde ficou hospedado, em Copacabana.
“Um dia estávamos no final da Praia do Leme e ficou tarde para irmos para o hotel. Aí eu disse: ‘Caraca Mané! Na moral, vamos ralar peito meu brother. Não vai demorar a aparecer um caô daqui a pouco para nos importunar’. Mermão...me lembro da cara de espanto dele e da resposta, negando que se chamava Manoel e que não tinha entendido absolutamente nada”, conta, às gargalhadas, a professora Stephânia Limeira, 30 anos, que conheceu o amigo americano num intercâmbio internacional. Para onde ele ia, segundo Stephânia, levava uma cópia impressa de gírias traduzidas numa rede social.
Além das gírias, classificadas de “esquisitas” mas “legais” pelos estrangeiros, o carioca ‘da gema’ ainda tem tirado outra ‘onda’ . Desde meados de junho, o jeitinho carioca de falar, de forma cantada, descontraída, com seu característico chiado, tipo doix, treix, transformou-se em patrimônio cultural de natureza imaterial da cidade, graças a uma lei do ex-prefeito e atual vereador César Maia (DEM).
“Como justifica a filósofa, pesquisadora e professora Angela Marina Bravin dos Santos, o sotaque carioca alcançou uma relevância ímpar para o Brasil. Além disso, manifestações como a música, literatura, teatro e cinema, reforçam o sotaque carioca como parte integrante e fundamental da identidade dos moradores do Rio. O carioca aprecia seu próprio sotaque, que, mesmo sendo bem local, tem importância global”, justificou César Maia em seu projeto .
O jornalista boliviano Amilcar Arandia lembra que ficou intrigado quando veio ao Rio cobrir a Copa do Mundo e, para se deslocar na Zona Sul, foi orientado a pegar o “busão” 433 (ônibus que agora faz a linha Vila Isabel - Mourisco). Até mesmo que não é gringo costuma se embananar. “Custei a entender que um colega estava nas mãos do palhaço por ter bebido demais”, disse o mineiro Sandoval Olveira, 30, que veio de Minduri (MG) no casamento de um parente há duas semanas na Tijuca (MG).

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