quinta-feira, 29 de outubro de 2015

As contradições do Supremo e o rito do impeachment


Jorge Béja
Existem muitas obras intituladas “Conflito de Jurisprudência”, nas quais são narrados os mesmíssimos fatos com decisões completamente opostas. Isso acontece em todos os tribunais. O STF não é exceção. O STF leva o nome de Supremo por ser o guardião e o intérprete da Suprema Carta, que é a Constituição Federal. Mas nem sempre a guarda e a interpreta do melhor modo.
Exemplo: o artigo 226, § 3º da CF diz que “é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Isto é, o contrato de casamento somente pode ser firmado e celebrado entre o Homem e a Mulher. No entanto, o STF autorizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. E o Conselho Nacional de Justiça expediu ordem, urgente e expressa, a todos os oficiais dos Cartórios do Registro Civil de todo o país para não criar o menor obstáculo a tais registros, sob pena de severa sanção administrativa.
LEI DO IMPEACHMENT
O artigo 14 da chamada Lei do Impeachment (nº 1079/50) diz que qualquer cidadão pode denunciar o Presidente da República (ou ministro de Estado) por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados. O artigo seguinte, o 15, dispõe que “a denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo”. Ante à inexistência de qualquer outro artigo desta referida lei que impeça o recebimento da denúncia por parte do presidente da Câmara dos Deputados, vejo neste artigo 15 a única e exclusiva possibilidade da rejeição da denúncia, qual seja, o fato do denunciado não estar mais no exercício do cargo, dele afastado definitivamente.
Sim, porque a teor do artigo 19 a denúncia é para ser recebida. Nele, o verbo receber não está no condicional, nem está precedido da conjução (condicional) “se”, e sim no particípio passado: “Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte…”. Não se vê, objetivamente, possibilidade para que a denúncia seja rejeitada pelo presidente da Câmara, salvo se a mesma não estiver acompanhada da documentação e das formalidades que a própria lei estatui: firma reconhecida do denunciante, rol de testemunhas, em número até cinco no mínimo e, logicamente, redação clara e respeitosa. Não prevê a lei que o presidente da Câmara, fora o exame das formalidades extrínsecas e dos pressupostos (apenas processuais) de desenvolvimento válido e regular do processo, faça outro juízo de admissibilidade. Logo, é dever seu receber a denúncia.
CABE RECURSO
À luz do princípio do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, qualquer que seja a decisão do presidente da Câmara, recebendo e até rejeitando a denúncia, cabe recurso. No universo jurídico nacional, democrata e republicano, nenhuma decisão monocrática, judicial, administrativa ou política, é absoluta. Deve ser examinada pelos pares de quem a proferiu. No caso em tela, pelo colégio de deputados, através de recurso de ofício (interposto pela própria autoridade que a assinou) ou por qualquer dos membros do colegiado.
No caso Dilma-Cunha, dois ministros do STF expediram liminares para proibir, caso Eduardo Cunha não aceite denúncia contra Dilma, a interposição de recurso para o plenário da Casa, da parte de qualquer deputado. Isso não deixou o Cunha de mãos atadas. Elas estão livres para receber a denúncia e dar início ao processo de impedimento contra Dilma. Mas se o Cunha rejeitar a denúncia, mormente esta última de Bicudo, Reale Júnior e Janaína Paschoal, cuja assessoria jurídica de Eduardo Cunha já considerou “peça formalmente perfeita, sem defeito que justifique a recusa de seu recebimento”? O que fazer? Interpor recurso para o plenário não pode, pois o STF proibiu.
É uma situação inesperada e inédita, essa intromissão do STF na Câmara dos Deputados. E intromissão teratológica, porque é sempre salutar a adoção de recursos.
Já disse aqui, em artigo na Tribuna da Internet, que o Eduardo Cunha vai receber a denúncia de Bicudo, Reale Júnior e Janaína. Caso não receba, me atrevo a lançar agora o desafio da propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF contra a rejeição da denúncia, a fim de que o STF declare incompatível com a Constituição o ato legislativo que Eduardo Cunha venha assinar negando seguimento (recusando) a abertura de processo de impedimento contra Dilma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário