segunda-feira, 26 de outubro de 2015

A "morte" (política) de Dilma pode ser o "suicídio" de Lula


Biaggio Talento
A TARDE
  • Margarida Neide | Ag. A TARDE
    Sem o PMDB não há governo nem oposição. É protagonista importante - Foto: Margarida Neide | Ag. A TARDE
    Sem o PMDB não há governo nem oposição. É protagonista importante
Professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (SP), o cientista político Marco Antonio Teixeira participou semana passada de mesa-redonda sobre a reforma política realizada pela Universidade Católica do Salvador, sob a coordenação do professor de ciência política da Ucsal Cláudio André de Souza. Em entrevista exclusiva ao jornal A TARDE, Teixeira fez um balanço do atual cenário político nacional, o papel do PMDB em meio à crise, a situação do governo de Dilma Rousseff e os movimentos, às vezes, enigmáticos do ex-presidente Lula, que tenta sobreviver politicamente até as eleições de 2018.
Qual o papel do PMDB neste cenário político?
O PMDB tem sido protagonista desde a redemocratização. Ele foi o fiador da transição. O governo de José Sarney de certa forma foi forjado a partir do PMDB da aliança com o próprio Tancredo (Neves). De certa forma, mesmo não estando formalmente no governo (de Fernando) Collor, emprestou quadros para esse governo, que hoje são quadros importantes do PMDB, como Renan Calheiros (presidente do Senado). E de lá para cá esteve em praticamente todos os governos em todos os momentos de crise. Então, o PMDB pela própria condição que se encontra, o fiel da balança, ou seja, sem ele não há governabilidade, não há como prescindir da governabilidade não estando com ele, o PMDB acaba tendo protagonismo. Agora, a grande questão é que o PMDB é um partido que comporta vários grupos. Teve no governo Fernando Henrique um grupo enorme que participou da gestão e outro segmento enorme que participou da oposição.
Isso pode causar problemas de instabilidade como agora...
Exato, e impede, inclusive, que o partido tenha a possibilidade de ter um quadro capaz de ser um candidato nacional justamente porque não há coesão interna. Então, se essa posição é interessante porque em qualquer contexto o partido sobrevive, ao mesmo tempo fica difícil imaginar o partido como protagonista de um governo. É um coadjuvante importante, sem ele não há governo, sem ele não há oposição, mas ao mesmo tempo essa divisão ou, de certa forma, a incapacidade de ter um partido mais homogêneo do ponto de vista dos interesses das lideranças regionais, coloca em xeque o futuro do próprio partido.
Vários segmentos do PMDB querem lançar Michel Temer presidente da República em 2018.  Ele tem condições de ser o nome nacional do partido?
Se voltarmos na história, a gente sempre ouve esse discurso de que o PMDB vai ter candidato próprio. Todo processo eleitoral se diz: no próximo o PMDB vai ter candidato próprio, e nunca se constrói essa viabilidade porque o PMDB é muito forte regionalmente, do ponto de vista regional mesmo. Ele tem força no Rio de Janeiro, uma força que pode ser substancial, inclusive, porque se de repente, uma ou outra liderança forte como o (Sérgio) Cabral ou Eduardo Paes mudam de legenda, o partido se enfraquece. Tem alguma força em alguns estados do Nordeste, mas quando é chamado a ser testado a ter uma candidatura própria, essa força ainda não é suficiente. Então, hoje, o projeto de candidatura forte do PMDB só seria viável com a legenda forte, que também contribuísse em aliança com essa própria candidatura. Eu, sinceramente, não vejo essa possibilidade hoje. A única possibilidade momentânea do PMDB se tornar protagonista, estar à frente do governo, é com o afastamento da Dilma. Isso sim poderia promover uma espécie de união ou pacto com a oposição para fazer um governo de transição, como foi no período Collor/Itamar Franco. Agora, não vejo o PMDB do ponto de vista do prestígio, da capilaridade eleitoral, ter viabilidade para 2018. Acho que Temer é muito mais um nome circunstancial em função da crise, que um nome capaz de disputar eleição.
O senhor acha que o PMDB vai se afastar do governo?
Você tem uma 'crise braba' - e não se sabe ainda como ela está afetando internamente o PMDB -, que se chama Eduardo Cunha. Creio que aí pode determinar de certa forma para onde vai o partido. Cá entre nós, se o partido quisesse sair do governo, não teria pego essa fatia na reforma ministerial. Estou achando que tem muito mais retórica - talvez até para ampliar mais o espaço no governo - do que efetivamente de passar para a oposição. Até porque tem um dado importante: não vai ter financiamento empresarial na próxima campanha eleitoral. Por mais que os recursos do governo sejam baixos, eles se tornam estratégicos nesse momento. Estamos falando de uma eleição local (2016) que define a eleição de deputado daqui dois anos. Sem prefeitos, deputados se tornam inviáveis. Eu vejo pouca viabilidade essa ideia de o PMDB abandonar  o barco. Talvez parte do PMDB ainda continue a defender essa tese, como defendeu no governo FHC que é a característica do PMDB. Essa novidade de não ter financiamento empresarial faz com que quem tenha pretensão eleitoral passe a depender mais de recursos do governo para ter proximidade com a base.
A minirreforma eleitoral, que não permitiu financiamento público (e Dilma vetou a privada), vai criar uma quadro inédito...
Estamos numa situação absolutamente indecifrável. A  culpa é do Congresso. Há quanto tempo está se discutindo financiamento de campanha e o Congresso nunca encarou isso? O Supremo Tribunal  Federal respondeu a uma consulta. Se o Congresso tivesse feito a lição de casa, talvez não tivéssemos esse problema a enfrentar. Porque a reforma foi discutida de afogadilho e, ao meu juízo, atendeu aos interesses de quem está já dentro do círculo político do que interesse de melhorar o sistema.
Foi apelidada de "me eleja de novo"...
Ela tende para quem quer continuar no sistema e dificulta para quem está fora, o que é um paradoxo, pois nós estamos falando de renovação, de crise de representação, e o que a gente precisa nesse momento é de arejamento, de ideias novas, pessoas novas, de confronto de ideias. E da forma que está a gente vislumbra pouca coisa daqui para frente.
O que pode ocorrer no país até o final do ano?
O grande desafio nosso há pouco tempo era saber o que seria o amanhã. Hoje a gente não sabe o que vai ser amanhã, tal são as circunstâncias que são incontroláveis da novidade da cena política. Por exemplo, a gente não sabe o que vai sair de algo interminável chamado Lava Jato. Ao mesmo tempo, a CPI da Petrobras teve um desfecho que ninguém imaginaria. Começou prometendo o mundo e o mundo não virou absolutamente coisa alguma. Por outro lado, acho que o episódio Eduardo Cunha tem a mais a dizer para a gente. E como vai se dar sua sucessão. Acho que aí, sim, a oposição vai ter uma leitura melhor do quadro e o governo também. Quando mais o tempo passa, melhor para o governo, pois as questões tendem a se estabilizar até dezembro e 2016 é ano eleitoral,  quando as forças começam a se acomodar, pois precisam construir seus projetos. O problema da governabilidade e o de Cunha, se não se resolver até dezembro, acredito que eles tendem a ser empurrados com a barriga até 2018. Acho que até a oposição acreditou mais no impeachment do que nesse momento.
Por que a população rejeita mais Dilma que Cunha? É porque os atos da presidente refletem na vida do cidadão?
Sim, refletem na vida e no bolso. A Dilma hoje expressa a promessa não apenas de uma sociedade que não se efetivou, mas também o sentimento de engano, ou seja: me disse que o país estava bem, que o futuro seria melhor e não apenas o país não estava bem como o futuro que chegou é muito pior que se imaginava. Isso se expressa nas pesquisas. Ela foi eleita com 51% dos votos, hoje ela tem 70% de reprovação. Ou seja, você tem todo um grupo que confiou nela e de repente o cenário que se viu foi outro. Eduardo Cunha preside a Câmara dos Deputados e, muitas vezes, do ponto de vista retórico, talvez fale muito mais sobre as ansiedades do povo do que uma decisão administrativa (de Dilma).
Como o senhor vê a postura de Lula, de incentivar as críticas ao Joaquim Levy, por um lado, e defender o governo, por outro?
Acho que o próprio Lula está à deriva. Ele está querendo sobreviver até 2018 para ser candidato. E para o PT é indispensável que  sobreviva, senão o PT vai se tornar um partido, do ponto de vista eleitoral,  menor do que é hoje. Por um lado, se o quadro ficar muito mais caótico, óbvio que isso leva Lula para baixo também, ou seja, a morte da Dilma pode ser o suicídio do Lula. Mas ao mesmo tempo Lula tenta se desgarrar porque sabe que a situação não melhora mais de um dia para o outro. E, ao mesmo tempo, a escolha da política econômica de Dilma reforça a ideia de aperto e corte de programas, como o Prouni, o Fies, que foram bandeiras do governo Lula, que é muito caro ao próprio "legado Lula". Por isso ele dá um no cravo e outro na ferradura.  Tem que salvar um governo que na prática foi negado no governo dele e ajudou a se eleger e reeleger.

Nenhum comentário:

Postar um comentário