sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Sentimentalismo e violência na sociedade atual


Flávio Saliba
Folha
Acabo de ler um estranho livro de Theodore Dalrymple, que me pareceu, ao mesmo tempo, conservador e instigante, na medida em que, por um lado, critica a garantia de certos direitos sociais e, por outro, introduz inovações na forma de perceber os dilemas da sociedade contemporânea. Os temas abordados vão da crescente violência escolar contra professores, passando por histórias de vida trágicas e crimes verdadeiros, até as ondas de autovitimização e comoção pública com a morte de celebridades.
Citando relatório da Unicef, o autor admite que, entre 21 países desenvolvidos, a Grã-Bretanha é o pior para as crianças, acrescentando que a situação é deplorável, também, para os que são obrigados a conviver com elas. A Grã-Bretanha é uma nação que tem medo de suas crianças. Segundo ele, a violência cometida por crianças e contra crianças aumentou vertiginosamente nos últimos anos, sendo que um terço dos professores britânicos sofreu ataques físicos e quase dois terços sofreram abusos verbais e insultos de crianças.
Mais do que isso: cinco oitavos desses professores enfrentaram, também, agressões de pais de alunos, o que significa que os primeiros não contam com o apoio dos segundos quando tentam lidar com crianças agressivas e violentas. O argumento central do livro é o de que a sociedade contemporânea é essencialmente movida pelo culto do sentimento, que remonta ao romantismo e a Rousseau, para quem o homem, bom por natureza, é deformado pela sociedade.
VÍTIMAS DA SOCIEDADE?
Daí à conclusão de que somos todos, eventualmente, vítimas da sociedade é um passo. Seria, portanto, o sentimentalismo o grande responsável pela transformação de boa parte dos seres humanos em vítimas: as classes subalternas, as sociedades africanas e as minorias raciais tendem a ser vistas como vítimas das classes privilegiadas, do colonialismo e do racismo, respectivamente.
Ainda segundo o autor, sentimentalismo e violência são duas faces da mesma moeda. Aqui, não há como deixar de invocar Norbert Elias, para quem o processo civilizador se caracterizaria, ao contrário, pela crescente substituição do controle externo pelo autocontrole, pela predominância da razão sobre o instinto e pelo refinamento dos hábitos.
ELEMENTO REGRESSIVO
Mas o argumento de Dalrymple introduz, por assim dizer, um elemento regressivo nesse processo, cujas causas seriam o romantismo e o sentimentalismo, que, ao transformarem o cidadão em vítima, pressupõem a ampliação das funções do Estado e o surgimento de um imenso contingente de pessoas dele dependentes.
Sobre a relação entre sentimentalismo e violência, o autor invoca a frase de Rousseau em que este afirma conhecer bem a humanidade, mas não os homens, para afirmar que suas doutrinas sentimentais levaram muito rapidamente a um massacre ideológico. E conclui: “Lênin era um homem de amor ardente pela humanidade em geral e de ódio por quase todas as manifestações individuais dela, com consequências que, a esta altura, já são suficientemente bem conhecidas”.

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