quinta-feira, 27 de agosto de 2015

"Food truck é uma moda que não vai ficar", diz Neide Rigo


Daniela Castro
A TARDE
  • Divulgação
    Neide Rigo falou sobre nutrição em entrevista ao A TARDE - Foto: Divulgação
    Neide Rigo falou sobre nutrição em entrevista ao A TARDE
De passagem por Salvador, onde participou do IX Seminário de Gastronomia do Senac, a nutricionista paulista Neide Rigo confessou: "Vivo de bico". É a forma que ela encontra de dizer que se divide entre afazeres como o badalado blog Come-se, a coluna no caderno Paladar, do Estadão, e duas hortas - uma em seu quintal e outra comunitária.
Espécie de militante da alimentação saudável, Neide traz a reboque pitadas de experiência nas áreas de jornalismo e artes plásticas, além de ter escrito para a Caras  por exatas mil edições. Membro do movimento Slow Food, ela também inclui em sua agenda trabalhos de consultoria e participação em eventos ao lado de chefs renomados como Mara Salles e Ana Soares. Em conversa com A TARDE, ela também avaliou tendências recentes, falou da preocupação com a sustentabilidade e disse o que espera do futuro da gastronomia.
Como era o desafio de escrever sobre um ingrediente diferente toda semana?
Foi um momento muito importante porque foi de pesquisa. Passei 20 anos estudando toda semana uma coisa nova. Eu tinha que falar do valor nutricional, como comprar, como escolher, como preparar. Passava a semana inteira estudando, aí ia para a cozinha testar. Na próxima semana, tudo de novo. Aí comecei a me inserir mais no mundo da gastronomia.
E como surgiu o Come-se?
Foi em 2006, quando eu ainda estava na Caras. Resolvi escrever porque tinha muita coisa que eu descobria nas pesquisas e tinha que botar na gaveta. O blog era uma forma de deixar registrado, até pra mim mesma. Servia um pouco como um caderno de estudo, mas começou a ter visibilidade. Jornalistas e chefs começaram a prestar atenção.
O que você acha que gerou esse interesse?
Acho que é porque gosto de escrever e o  blog não tem uma pegada nutricional. É um diário meu. Eu jamais escrevi sobre coisas que eu não sei ou não presenciei. Tudo que está lá é o que eu vivi. E eu conto como se eu estivesse conversando com o leitor. E não escondo nada. Se descubro alguma coisa, eu falo. Se eu erro, também falo. Como deixo claro que pesquisei aquilo, acho que tem credibilidade.
Mas você costuma dizer que não é pesquisadora.
Sou uma pesquisadora amadora, porque amo pesquisar. Não tenho metodologia de pesquisa acadêmica, é mais intuitivo que técnico. Mas sei as fontes confiáveis. E a formação universitária em nutrição me deu essa capacidade de diferenciar o joio do trigo, até literalmente.
Falando nisso, você também cuida de duas hortas, não é?
Tenho um quintal bem pequeno, mas cada temporada tem uma coisa. Agora tô colhendo feijão espada, a uva já está brotando, e tenho um monte de PANCs [Plantas Alimentícias Não Convencionais]. Tem ainda uma horta comunitária que criei junto com uma vizinha. E agora tenho um sítio, que é uma outra empreitada.
Mesmo com toda essa bagagem, você lembra de algum ingrediente muito inusitado que descobriu?
Cada ingrediente é assim. Hoje mesmo ouvi falar de um feijão fradinho preto. Nem vi ainda, mas já fiquei louca pra pesquisar. Mas tem algumas dessas plantas não convencionais que me chamam atenção. Em São Paulo de vez em quando faço uns passeios pelas ruas, com grupos, pra descobrir PANCs. Faço isso há uns quatro ou cinco anos. Às vezes chamo pelo Instagram ou pelo blog pra fazer uma colheita urbana. Quem chegar, chegou. Entre as ervas tem umas coisas bem interessantes. Tem uma, por exemplo, chamada macassá, que tem sabor de coco.
E restrição alimentar, você tem alguma?
Nenhuma. Eu evito comer industrializados, mas não sou radical. Se uma pessoa está me oferecendo alguma coisa, eu não vou falar que não como. Só se for muito trash. Meu dia a dia é muito básico. É o que eu compro na feira e o que eu planto. Uma comida que é basicamente igual à que a minha mãe servia, só mudando técnica. Mas eu como de tudo.
Mc Donald's também?
Eu não vou lá para comer. Mas se estiver com uma pessoa querida e ela fizer questão, vou comer com ela. E não vou morrer por isso.
Qual a sua opinião sobre tendências como os food trucks, que se propõem a ressignificar  a comida de rua?
Tem uns verdadeiros e tem uns truques, né? Em alguns lugares você vê que não é comida de rua. Quando você pega seu restaurante e transporta é só uma filial em outro lugar. Pode ter comida ótima. Mas no meio disso tudo também tem muita porcaria que está no mesmo barco porque virou moda. Você vai pra um lugar que diz que tem comida de rua, mas está no meio de uma praça de alimentação, que é o lugar mais horrível pra se comer. Comer "comida" na rua eu acho estranho. Pra comer na rua tem que ser um quebra-queixo, um cuscuz, um mingau, um acarajé. Uma coisa rápida que se pega com as mãos. Food truck é uma moda que não vai ficar, eu tenho certeza.
E tem algum movimento atual que você acha positivo?
Esse resgate do alimento local, do pequeno produtor. Isso eu acho que veio pra ficar. E mesmo que passe, vai deixar uma herança. Os grandes restaurantes não têm mais vergonha de servir feijão, mandioca. Muitos hoje sabem como valorizar. Pegam  ingredientes que as pessoas acham pobres e fazem pratos maravilhosos.
Mas nisso também não tem um pouco de moda?
Para alguns. Mas quem é bom mesmo e quem é consciente vai se apegar. E mesmo que sobrem poucos, terá sido uma coisa boa. Mas tem moda que não faz falta nenhuma quando passa.
Por exemplo?
Esse arremedo de cozinha molecular. Quando a pessoa sabe fazer e faz com propriedade, tudo bem. Mas um monte de gente foi na onda, então tudo era espuma, tudo era esfera. Esfera, espuma. Espuma, esfera. Pra quê? Também não gosto de menu degustação. É muita informação numa refeição só. Quando você come 17 pratos, desculpe, mas você não comeu nenhum. Tive um professor que dizia: "Tudo que é lista cansa". Na comida é a mesma coisa. Pode ser maravilhoso, mas é etéreo. E pode reparar no tamanho do nome dos pratos. É um memorial descritivo. Isso também vai passar.
E o que virá?
Acho que a tendência vai ser de pratos compartilhados na mesa, como fazem os árabes. O prato individual tem um problema de sustentabilidade com o qual ninguém está se importando. Servem uma rodelinha num prato enorme. Aquele prato vai ser lavado. O tanto de louça que cada comensal gasta é um absurdo. Acho que isso vai mudar porque a crise hídrica veio pra ficar. As pessoas ainda não se deram conta, mas é pra valer.

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