Levantamento de VEJA revela que o volume de bens e serviços exportados para Cuba não condizem com os valores destinados para a obra
Falando não apenas de Mariel, Coutinho voltou a garantir que as operações de incentivo a obras no exterior são rentáveis e que os 12 bilhões de dólares concedidos em empréstimos foram integralmente destinados à compra de bens e à contratação de serviços no Brasil. Esta, aliás, é a regra para que o dinheiro seja concedido. Mas, como as obras são realizadas no exterior e não estão sujeitas ao escrutínio do Tribunal de Contas da União, a forma como esse dinheiro é gasto é uma caixa-preta que as empreiteiras e o próprio BNDES se recusam abrir.
Um levantamento realizado por VEJA, a partir da análise da balança comercial Brasil-Cuba, revela o abismo entre as explicações do presidente do BNDES e os números oficiais disponíveis. O total da exportação de produtos brasileiros que podem ser associados à construção civil (incluindo máquinas, caminhões, tratores e peças de reposição) para Cuba, entre 2010 e 2013, corresponde a apenas 22% do valor do empréstimo para construção do porto neste mesmo período. Trata-se de uma estimativa otimista, pois é possível que parte desses produtos exportados tenham sido destinados a outros empreendimentos, sem qualquer relação com Mariel.
Além das exportações de produtos, mediu-se o valor da contratação dos serviços sobre o total da obra. Para isso, baseou-se na referência utilizada pelo TCU para os empreendimentos no Brasil. Para calcular a relação dos custos dos serviços de engenharia e arquitetura, o tribunal se vale de uma pesquisa da Associação Brasileira de Consultores de Engenharia que montou uma tabela a partir das informações fornecidas por seus associados. Segundo a experiência auferida no Brasil, quanto maior o valor da obra, menor o impacto do preço dos projetos em seu custo final. Em uma obra como a de Mariel, esse percentual seria de cerca de 3,5% do valor do orçamento (ou seja, 3,5% sobre os quase 1 bilhão de reais do total da obra). E, ainda conforme estimativas do TCU, que considerou mais de 2 000 obras no Brasil para estabelecer um indicador, os custos indiretos de uma obra portuária são de 27,5%, em média (também sobre o valor total da obra). Este percentual inclui a administração da obra, despesas financeiras e o lucro da empreiteira.
Portanto, a soma da exportação de produtos para construção civil, além de carros e outros bens, dos serviços de engenharia e dos custos indiretos (incluindo a margem de lucro da empreiteira) mal chega 65% do valor do empréstimo concedido pelo BNDES. Onde foram aplicados os 35% restantes, que equivalem a 238,7 milhões de dólares?
Procurada por VEJA, a Odebrecht não informou como é composto o custo da obra. Limitou-se a enviar uma lista de fornecedores e afirmou ter gerado 130.000 postos de trabalho no Brasil. O BNDES sustentou que 100% dos recursos destinados às obras foram gastos na aquisição de produtos e serviços brasileiros. "Muita gente tem pensado que a CPI tem por objetivo destruir o BNDES. A nossa missão é justamente o contrário. Vamos revisar cada um desses contratos e caso existam problemas, ninguém será poupado", diz o deputado Marcos Rotta (PMDB-AM), que preside a CPI.
Na semana passada, a CPI definiu a estratégia de trabalho. Serão convidados a depor nas próximas sessões três ex-presidentes que comandaram a instituição desde 2003 - Carlos Lessa, Guido Mantega e Demian Fiocca. Requerimentos que previam a convocação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de seu filho Fábio Luis e de empresários como Eike Batista, Joesley Batista e Marcelo Odebrecht não serão votados até que a comissão consiga analisar um total de 270.000 contratos firmados pelo BNDES desde 2003. Para esse trabalho, os deputados pediram reforço. Farão parte da "força-tarefa" técnicos do Tribunal de Contas da União, do Coaf e da Polícia Federal.
A CPI do BNDES foi instalada no início de agosto para investigar os contratos firmados pelo banco nos últimos doze anos. Somente em projetos de infraestrutura em onze países, o BNDES destinou mais de 12 bilhões de dólares, no período. Angola, Venezuela e República Dominicana foram beneficiadas com cerca de 66% do total. Em junho, o banco publicou na internet informações sobre as taxas de juros e os prazos de pagamento de cada um dos 516 contratos firmados com onze países. A abertura parcial dos dados sequer resvalou no nível de transparência necessário para as operações.
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