segunda-feira, 1 de junho de 2015

Venda de novas armas bate recorde


Número de 2014 é o maior desde a edição do Estatuto do Desarmamento, acusado de impedir que cidadão se arme

por
Vitor Sorano - iG São Paulo
Publicada em  TRIBUNA DA BAHIA
Foto: Vitor Sorano/iG
"A gente sente a procura aumentar. O cidadão está querendo adquirir uma arma", afirma Maresca
O Estatuto do Desarmamento está sob ameaça de ser derrubado por impor dificuldades "quase intransponíveis" – segundo o projeto de lei que o revoga – a quem quer garantir, na bala, a própria defesa pessoal.
Mas, desde que ele entrou em vigor em 2003, o brasileiro nunca obteve tantas autorizações para comprar armas de fogo como agora.
De 1º de janeiro a 4 de maio deste ano foram concedidos 82 novos registros de arma por dia. Nunca o arsenal cresceu tão rápido, mostram dados da Polícia Federal obtidos pelo iG via Lei de Acesso à Informação.
O último recorde havia sido em 2014, com 66 por dia. Em 2004, primeiro ano completo de vigência do Estatuto, foram 8.
O crescimento é superior ao da população de 25 anos ou mais, idade mínima exigida pelo Estatuto. Com isso, o número de novas armas por 100 mil habitantes saltou de 3, em 2004, para 20 em 2014 – em 2003, ano virtualmente não coberto pelo estatuto, foram 21.
Desde o ano passado, o número de novos registros tem superado também o volume de armas tiradas de circulação por meio da Campanha do Desarmamento – o que não ocorria em anos anteriores.
Em 2014, foram recolhidas 16.520 unidades, ante 24.255 novas autorizações. Neste ano, saíram 4.975 armas e entraram 10.191 novos registros.
Parte do aumento está relacionado à autorização de porte de armas para agentes prisionais, concedida no ano passado. Parte, não.
"No último ano, a gente viu chegando bastantes pedidos de cidadãos comuns, comerciantes e empresários", afirma Karina Murakami, chefe do Sistema Nacional de Armas (Sinarm) da Polícia Federal em São Paulo.
O número de novos registros de armas no Estado cresceu 4.000% entre 2004 e 2015, segundo os dados da PF.
Para Sergio Maresca, o pior momento para a sua quase centenária loja de armas já passou. Reduzida a 120 m² dos 600 m² que tinha antes do Estatuto, a Ao Gaucho viu as vendas para civis caírem de 800 a 900 armas por ano para 100 a 150 nos anos de 2004 a 2005.
Hoje, cerca de 300 saem anualmente da loja, localizada no centro histórico de São Paulo.
"A gente sente a procura aumentar. O cidadão está querendo adquirir uma arma. Quando o Estatuto se assentou, a venda veio numa crescente", afirma Maresca.
"Tem aparecido desde a pessoa que está na idade [mínima para adquirir a arma] até o senhorzinho de 75 anos. E, na grande maioria dos casos, sofreram alguma agressão."
De insegurança a medo de totalitarismos
O empresário Thiago Pavanello nunca teve a casa invadida. Mas, como já viu o crime ser cometido contra pessoas próximas e foi assaltado na rua, decidiu comprar uma arma para defender a família, que mora num apartamento na Grande São Paulo.
Queria uma espingarda calibre 20, de dois canos. O pedido foi negado pela PF e, após um processo de quase um ano, Pavanello obteve autorização para comprar uma pistola.
"Com certeza [uma espingarda] é uma arma muito melhor para uma defesa pessoal do que uma pistola. Porque a munição da espingarda tem um poder de parada muito grande e não vara parede", afirma o empresário.
Karina, do Sinarm, argumenta que armas longas – como uma espingarda – não são muito adequadas para apartamentos, em razão do estrago que podem causar.
Essa capacidade da PF de avaliar qual arma o cidadão pode comprar. é um dos motivos pelos quais Pavanello é contra o Estatuto. Mas há outros, até mesmo não relacionados à segurança.
"Todos os países que passaram por processo de desarmamento tiveram aumento de violência, inúmeros problemas", diz, para acrescentar: "[E em] alguns países, num primeiro momento a população foi desarmada e se seguiu outros incidentes governamentais como golpes ditatoriais."
O deputado federal Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC) também vê ameaça totalitarista no Estatuto que, argumenta, "tornou muito mais difícil, mais caro, mais burocrático a possibilidade de o cidadão de bem ter uma arma" – apesar de o número de novos registros estar crescendo a passos largos.
"O desarmamento faz parte de uma agenda de fragilização da sociedade, que busca deixar o cidadão o mais dependente possível do Estado, e a área de segurança pública é fundamental para isso", diz Peninha, em entrevista.
"Se toda a segurança do indivíduo vem do Estado, ele naturalmente acaba aceitando uma participação deste em todos os setores da sua vida."
Peninha quer acabar com a exigência de que o cidadão apresente "efetiva necessidade" para ter uma arma – ou seja, indique à polícia quais são as condições de ameaça à sua segurança.
A obrigatoriedade tem impedido, por exemplo, que pessoas consigam obter uma arma de fogo apenas por serem ricas.
"O Ministério da Justiça orienta claramente a Polícia Federal: crie dificuldades e não libere armas" diz, Peninha. "O fato de dizer [que é necessária] uma justificativa (...) é para ter na mão uma discricionariedade."
Patamar baixou, argumenta instituto
Bruno Langeani, coordenador da área de Sistemas de Justiça e Segurança Pública do Instituto Sou da Paz, ressalva que, apesar do aumento, hoje se registram muito menos armas novas do que antes do Estatuto.
"O número anual médio de venda de armas antes do Estatuto era de 130 mil  por ano [incluindo as destinadas à segurança pública e a públicos específicos como caçadores e esportistas]. Depois de 2003 esse número cai para um terço do que era", diz.
"É possível que estejamos vivendo um aumento do interesse dos civis por armas de fogo, mas houve um efeito importante do Estatuto. O crescimento está em outro patamar."
Rearmamento
Número de novos registros de armas para pessoas físicas bate recorde em 2014 e segue tendência de alta em 2015

Langeani também frisa que, apesar dos elevados índices de roubos e furtos, os assassinatos cresceram a taxas menores após o endurecimento das regras. Ou seja, a criminalidade pode até continuar alta, mas ficou menos violenta.
Um estudo do instituto aponta que a taxa por 100 mil habitantes dos assassinatos cometidos por armas de fogo cresceu, em média 6,5% ao ano entre 1981 e 2003. Entre 2004 e 2012 (último ano disponível), o aumentou caiu para 0,27% ano.
"Há grande sensação de insegurança, que nem sempre é racional", diz."Não faz muito sentido esse crescimento em Estados como São Paulo, que tem patamares de roubo muito altos, mas onde o número de latrocínios [roubo seguido de morte] e homicídios caiu bastante."
Além da desaceleração na taxa de homicídios, a proporção de mortes acidentais e suicídios que envolvem arma de fogo caíram após a entrada em vigor do Estatuto que, como lembra Langeani, impôs uma série de restrições para conceder a posse de armas.
Assim, os 24 mil novos registros de 2014 foram concedidos a pessoas que tiveram de passar por testes psicológico e técnico.
"Mesmo que [o número] seja um alerta, há um controle positivo que foi trazido pelo Estatuto do Desarmamento", afirma Langeani.

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