segunda-feira, 29 de junho de 2015

Motorista para para urinar em rodovia e acha fotos de judeus da 1ª Guerra


Documentos foram furtados de carro em faculdade do DF há três meses.
Compilação trazia passaportes, cartas de amor e registros de graduação.

Raquel Morais Do G1 DF
Foto recuperada de família judia durante enterro na Polônia (Foto: Debora Marchewka /Arquivo Pessoal)Foto de família judia durante enterro na Polônia (Foto: Debora Marchewka /Arquivo Pessoal)
Foi localizado por um senhorzinho que parou para ir ao ‘banheiro’ exatamente ali. Coisa de Deus. Estou muito feliz. Ele encontrou no dia 24 à tarde e por volta das 22h fez questão de vir pessoalmente me trazer, ao saber que eu estava recém-operada e não poderia dirigir naquele momento"
Debora Marchewka,
advogada
A advogada Debora Marchewka conseguiu recuperar malas com documentos históricos de antepassados judeus que haviam sido furtadas há três meses de um carro parado em uma faculdade particular de Sobradinho, no Distrito Federal. Os dois álbuns vermelhos – com certidões de casamento, óbito e nascimento, carteiras de trabalho, cartas de amor, registros de faculdade e centenas de foto dos avós paternos dela, um casal que deixou a Polônia em 1929 fugindo da perseguição ocorrida no período entre a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais – foram achados por um homem em um matagal às margens de uma rodovia.
“Foi localizado por um senhorzinho que parou para ir ao ‘banheiro’ exatamente ali. Coisa de Deus. Estou muito feliz”, disse. “Ele encontrou no dia 24 à tarde e por volta das 22h fez questão de vir pessoalmente me trazer, ao saber que eu estava recém-operada e não poderia dirigir naquele momento."
Fotos de judeus imigrantes achados em mala às margens de rodovia do DF (Foto: Debora Marchewka/Arquivo Pessoal)Fotos de judeus achadas em mala às margens de rodovia do DF (Foto: Debora Marchewka/Arquivo Pessoal)
A advogada conta que o homem abriu as malas e afirmou ter achado que alguém estaria preocupado com a perda dos documentos. Ele conseguiu encontrá-la porque os álbuns traziam o nome e sobrenome da filha dela. Com a ajuda de uma sobrinha, localizou a mulher em uma rede social.
Meu pai praticamente nasceu no navio. Minha avó veio grávida, fugiu justamente porque estava grávida. Meu pai foi registrado no Rio de Janeiro, mas o navio aportou, e eles já foram direto para o hospital. Meu irmão não teve filhos, e eu tive uma. A única forma de eu transmitir a história judaica e da minha própria família é assim"
Debora Marchewka,
advogada
"A sensação foi realmente muito forte, uma energia que jamais havia sentido na vida. Foi como se meus antepassados estivessem ali comigo e fizeram esse senhorzinho de guia”, declarou. As malas estavam danificadas por causa da exposição ao sol e à chuva.
Debora passou mais de um ano juntando todos os documentos. Ela conta que cursa o segundo semestre de pedagogia na instituição e que emprestou a mala a uma professora depois de muita insistência.
“Ela falou sobre judeus, e eu contei que tinha um trabalho muito bonito que eu tinha feito há dez anos. Ela pediu para ver e ficou tão encantada que pediu para levar para casa. Eu fiquei assim, né, mas, por uma questão de respeito acabei entregando. Depois fiquei cobrando, e ela dizendo que me entregaria no dia seguinte. E no dia seguinte o carro foi arrombado”, conta.
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Álbuns compilados pela advogada Debora Marchewka, de Brasília, com documentos de judeus imigrantes (Foto: Debora Marchewka/Arquivo Pessoal)Álbuns compilados pela advogada Debora Marchewka, de Brasília, com documentos de judeus imigrantes (Foto: Debora Marchewka/Arquivo Pessoal)
O crime ocorreu no dia 4 de março e passou a ser investigado pela Polícia Civil. Debora diz ainda que a professora levou mais de uma semana para denunciar o furto e afirma que a faculdade estava se esquivando de colaborar. Por e-mail, o estabelecimento declarou que o estacionamento é livre e não pertence à administração.
“A instituição lamenta o ocorrido e informa que orientou a vítima a tomar todas as providências cabíveis no âmbito da secretaria de segurança pública do Distrito Federal. Quanto ao furto de documentos históricos, a instituição não pode ser responsabilizada pela natureza  dos documentos que motoristas decidem levar consigo em seus veículos”, completou.
Página de um dos álbuns de fotografias do final dos anos 1920 recuperadas por advogada de Brasília (Foto: Debora Marchewka/Arquivo Pessoal)Página de um dos álbuns de fotografias do final dos
anos 1920 recuperadas por advogada de Brasília
(Foto: Debora Marchewka/Arquivo Pessoal)
A administração Regional de Sobradinho se dispôs na época a ajudar a mulher, que mora há sete anos em Brasília. Ela conta que o pai foi o único filho do casal – que aparece no livro do Holocausto como desaparecido – e que teve apenas dois filhos. A advogada afirma que decidiu fazer a compilação dos documentos justamente porque a família é pequena e não queria que a história se perdesse.
“Meu pai praticamente nasceu no navio. Minha avó veio grávida, fugiu justamente porque estava grávida. Meu pai foi registrado no Rio de Janeiro, mas o navio aportou, e eles já foram direto para o hospital”, comenta. “Meu irmão não teve filhos, e eu tive uma. A única forma de eu transmitir a história judaica e da minha própria família é assim.”
História
A advogada diz que a família chegou ao Brasil sem qualquer quantia em dinheiro. A avó passou a trabalhar como costureira, e o avô como marceneiro. O pai estudou sempre em escola pública e cursou medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro. A mãe dela foi convertida ao judaísmo para poder se casar.
Debora conta que aprendeu hebraico e que comemora todas as datas judias. Ela diz que sabe pouco do que foi dito entre os avós nas cartas, porque não conseguia compreender o idioma. A ideia era obter essas informações no futuro.
“Eles passaram situações horríveis lá, mas conseguiram embarcar escondidos e vieram para o Brasil. Não comentaram muita coisa com meu pai além de que as situações eram desesperadoras, acho que até evitavam contar o que viveram, porque queriam uma vida nova. Perderam o contato com todo mundo e decidiram recomeçar aqui”, explica.
Debora Marchewka com um dos álbuns em que compilou documentos de judeus imigrantes (Foto: Debora Marchewka/Arquivo Pessoal)Debora Marchewka com um dos álbuns em que compilou documentos de judeus imigrantes (Foto: Debora Marchewka/Arquivo Pessoal)

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