Documentos foram furtados de carro em faculdade do DF há três meses.
Compilação trazia passaportes, cartas de amor e registros de graduação.
Foto de família judia durante enterro na Polônia (Foto: Debora Marchewka /Arquivo Pessoal)
A advogada Debora Marchewka conseguiu recuperar malas com documentos
históricos de antepassados judeus que haviam sido furtadas há três meses
de um carro parado em uma faculdade particular de Sobradinho, no
Distrito Federal. Os dois álbuns vermelhos – com certidões de casamento,
óbito e nascimento, carteiras de trabalho, cartas de amor, registros de
faculdade e centenas de foto dos avós paternos dela, um casal que
deixou a Polônia em 1929 fugindo da perseguição ocorrida no período
entre a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais – foram achados por um homem em um
matagal às margens de uma rodovia.“Foi localizado por um senhorzinho que parou para ir ao ‘banheiro’ exatamente ali. Coisa de Deus. Estou muito feliz”, disse. “Ele encontrou no dia 24 à tarde e por volta das 22h fez questão de vir pessoalmente me trazer, ao saber que eu estava recém-operada e não poderia dirigir naquele momento."
Fotos de judeus achadas em mala às margens de rodovia do DF (Foto: Debora Marchewka/Arquivo Pessoal)
A advogada conta que o homem abriu as malas e afirmou ter achado que
alguém estaria preocupado com a perda dos documentos. Ele conseguiu
encontrá-la porque os álbuns traziam o nome e sobrenome da filha dela.
Com a ajuda de uma sobrinha, localizou a mulher em uma rede social."A sensação foi realmente muito forte, uma energia que jamais havia sentido na vida. Foi como se meus antepassados estivessem ali comigo e fizeram esse senhorzinho de guia”, declarou. As malas estavam danificadas por causa da exposição ao sol e à chuva.
Debora passou mais de um ano juntando todos os documentos. Ela conta que cursa o segundo semestre de pedagogia na instituição e que emprestou a mala a uma professora depois de muita insistência.
“Ela falou sobre judeus, e eu contei que tinha um trabalho muito bonito que eu tinha feito há dez anos. Ela pediu para ver e ficou tão encantada que pediu para levar para casa. Eu fiquei assim, né, mas, por uma questão de respeito acabei entregando. Depois fiquei cobrando, e ela dizendo que me entregaria no dia seguinte. E no dia seguinte o carro foi arrombado”, conta.
“A instituição lamenta o ocorrido e informa que orientou a vítima a tomar todas as providências cabíveis no âmbito da secretaria de segurança pública do Distrito Federal. Quanto ao furto de documentos históricos, a instituição não pode ser responsabilizada pela natureza dos documentos que motoristas decidem levar consigo em seus veículos”, completou.
Página de um dos álbuns de fotografias do final dos
anos 1920 recuperadas por advogada de Brasília
(Foto: Debora Marchewka/Arquivo Pessoal)
A administração Regional de Sobradinho se dispôs na época a ajudar a
mulher, que mora há sete anos em Brasília. Ela conta que o pai foi o
único filho do casal – que aparece no livro do Holocausto como
desaparecido – e que teve apenas dois filhos. A advogada afirma que
decidiu fazer a compilação dos documentos justamente porque a família é
pequena e não queria que a história se perdesse.anos 1920 recuperadas por advogada de Brasília
(Foto: Debora Marchewka/Arquivo Pessoal)
“Meu pai praticamente nasceu no navio. Minha avó veio grávida, fugiu justamente porque estava grávida. Meu pai foi registrado no Rio de Janeiro, mas o navio aportou, e eles já foram direto para o hospital”, comenta. “Meu irmão não teve filhos, e eu tive uma. A única forma de eu transmitir a história judaica e da minha própria família é assim.”
História
A advogada diz que a família chegou ao Brasil sem qualquer quantia em dinheiro. A avó passou a trabalhar como costureira, e o avô como marceneiro. O pai estudou sempre em escola pública e cursou medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro. A mãe dela foi convertida ao judaísmo para poder se casar.
Debora conta que aprendeu hebraico e que comemora todas as datas judias. Ela diz que sabe pouco do que foi dito entre os avós nas cartas, porque não conseguia compreender o idioma. A ideia era obter essas informações no futuro.
“Eles passaram situações horríveis lá, mas conseguiram embarcar escondidos e vieram para o Brasil. Não comentaram muita coisa com meu pai além de que as situações eram desesperadoras, acho que até evitavam contar o que viveram, porque queriam uma vida nova. Perderam o contato com todo mundo e decidiram recomeçar aqui”, explica.
Debora Marchewka com um dos álbuns em que compilou documentos de judeus imigrantes (Foto: Debora Marchewka/Arquivo Pessoal)
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