domingo, 28 de junho de 2015

Família de travesti morta questiona versão sobre roubo de carro da polícia


Mãe e irmã dizem que jovem não dirigia e que não poderia ter guiado veículo.
Ato na região central de SP fez protesto contra a violência a transexuais.

Vivian Reis Do G1 São Paulo
Mãe de Laura Vermont participa de manifestação na Praça da República (Foto: Vivian Reis/G1)Mãe de Laura Vermont participa de manifestação na Praça da República (Foto: Vivian Reis/G1)
A família da travesti Laura Vermont, de 18 anos, morta há uma semana na Zona Leste de São Paulo, questionou a versão apresentada por policiais militares de que a jovem teria entrado em um carro da PM e dirigido até bater em um muro. Segundo a mãe e a irmã da vítima, Zilda e Rejane Laurentino, ela não sabia dirigir e por isso não poderia ter guiado o veículo.
O corpo dela foi encontrado esfaqueado e com um tiro no braço. Laudo do Instituto Médico Legal (IML) concluiu que a causa da morte da jovem, registrada com nome de David Laurentino Araújo, foi em decorrência do traumatismo craniano que ela sofreu e não do tiro que levou no braço. As informações são de policiais civis ligados à investigação.
"Ela estava a duas quadras de casa, caminhando no sentido oposto de onde a viatura estava. Não faz sentido ela ter dirigido o carro", afirmou a irmã.
Cerca de 50 pessoas se reuniram na tarde deste sábado (27) na Praça da República, na região central de São Paulo, para protestar contra a morte da travesti. Vestidos com camisetas estampadas com foto de Laura, o grupo usou rosas brancas e cartazes para protestar contra o preconceito e a transfobia.
Cartunista Laerte participa de protesto no Centro de São Paulo (Foto: Vivian Reis/G1)Cartunista Laerte participa de protesto no Centro
de São Paulo neste sábado (Foto: Vivian Reis/G1)
O cartunista Laerte Coutinho, criador do "Piratas do Tietê" e que assumiu sua transexualidade aos 54 anos, participou do protesto. Ele seguiu com o grupo em passeata até o Largo do Arouche para uma reunião que vai discutir os direitos dos transexuais. "Essa comissão é um ato para resgatar a voz dos transexuais. Os transexuais são marginalizados", afirmou.
Uma das organizadoras do ato, a transexual e professora de filosofia Luiza Coppieters defendeu que atualmente existe uma "prática de extermínio de transexuais no Brasil. "Essa manifestação é em memória da Laura e das outras 69, que foram assassinadas, e não mortas. O que eu sinto nesse momento é dor. Toda vez que uma transexual morre é como se eu perdesse uma parte minha".
"Essa manifestação é para mostrar que a morte da Laura não é um fato isolado, mas algo recorrente", completou outra organizadora do protesto, a programadora e transexual Aline Freitas.
Viviany Beleboni, transexual 'crucificada' na Parada Gay, participa de protesto (Foto: Vivian Reis/G1)Viviany Beleboni, transexual 'crucificada' na Parada
Gay, participa de protesto (Foto: Vivian Reis/G1)
A atriz e transexual Viviany Beleboni, de 26 anos, que causou polêmica após se prender a uma cruz da 19ª Parada do Orgulho LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), esteve na Praça da República para prestar solidariedade à família de Laura e protestar contra a transfobia.
Em entrevista ao G1 após a Parada Gay, a atriz justificou a crucificação como uma forma de encenar o sofrimento de Jesus e “representar a agressão e a dor que a comunidade LGBT tem passado”.
"Nunca tive a intenção de atacar a igreja. A ideia era, mesmo, protestar contra a homofobia". Viviany disse que recebeu milhares de ameaças desde a publicação de uma foto da agência Reuters. “Teve gente dizendo que ano que vem vão colocar fogo na parada”, contou.
Laura Vermont tinha 18 anos de idade (Foto: Reprodução / Facebook)Laura Vermont tinha 18 anos e foi achada morta com
tiro e marca de faca (Foto: Reprodução / Facebook)
'Bonequinha do papai'
A mãe da travesti morta, a comerciante Zilda Laurentino, contou que nunca houve preconceito em relação à escolha da filha. "A gente chamava ela de bonequinha do papai. Eu acompanhava ela nas consultas médicas, que ela queria fazer cirurgias". "Ela era a menina dos olhos da família. Sempre foi muito aceita", completou a irmã.
Elas souberam que a jovem estava ferida pelo funcionário de um posto de combustíveis que conhecia a travesti e que teria presenciado a ação da polícia. Segundo a família, os policiais omitiram socorro à jovem depois que ela se feriu com o tiro. "Estamos sentindo muita dor e queremos justiça", completou Rejane Laurentino.
Briga e investigação
Na madrugada do último sábado (20), o sargento Ailton de Jesus, de 43 anos, e o soldado Diego Clemente Mendes, de 22 anos, foram acionados para apartar a briga entre Laura e outra travesti na Avenida Nordestina, em Itaquera. Quando tentavam conter o tumulto, Laura teria entrado no carro da polícia e dirigido até bater em um muro. O corpo dela foi encontrado esfaqueado e com um tiro no braço.
O delegado José Manoel Lopes, titular do 32º Distrito Policial (DP), em Itaquera, investiga se esse trauma na cabeça de Laura foi provocado pelas agressões que a travesti sofreu de algumas pessoas com quem se desentendeu. Outra possibilidade é a de que ela tenha batido o rosto no painel do carro da PM quando o veículo se chocou com o muro.
A travesti Laura Vermont postou esta última foto no Facebook na sexta-feira (19) (Foto: Reprodução/Facebook/Laura Vermont) Laura Vermont postou foto um dia antes de morrer
(Foto: Reprodução/Facebook/Laura Vermont)
Os policiais militares Ailton e Diego são investigados pela Polícia Civil como suspeitos da morte dela. Eles chegaram a ser presos por omitir o fato de o soldado ter dado um tiro em Laura quando tentava impedi-la de levar o carro da corporação. A Justiça, no entanto, concedeu liberdade provisória à dupla após pagamento de fiança na quarta-feira.
Os PMs responderão soltos pelos crimes de fraude processual e falso testemunho. Policiais civis ainda apuram se o sargento e o soldado bateram em Laura quando ela roubou o veículo da PM. Apesar de o laudo ter confirmado que a travesti foi baleada no braço esquerdo, esse disparo não causou sua morte. O tiro foi dado pelo PM Diego, quando ele tentava impedi-la de levar o veículo da corporação.
"Os policiais militares não mataram a travesti. Meu cliente, o Diego, até chegou a atirar no braço dela para se defender, mas o disparo não causou sua morte”, disse durante a semana o advogado Fernando Capano, que defende o soldado. “O mais provável é que ela tenha morrido em decorrência dos ferimentos a faca e das agressões durante o linchamento popular que sofreu”, completou.
Câmeras de segurança da rua onde Laura morreu foram solicitadas pela investigação. Eles teriam gravado os policiais militares agredindo a travesti. Por meio de nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou "a conduta dos PMs também está sob investigação da Corregedoria da corporação".
Manifestantes usam camiseta com foto de Laura Vermont em protesto no Centro de SP (Foto: Vivian Reis/G1])Manifestantes usam camiseta com foto de Laura Vermont em protesto no Centro de SP (Foto: Vivian Reis/G1)
Mãe de Laura Vermont fala durante manifestação na Praça da República (Foto: Vivian Reis/G1)Mãe de Laura Vermont fala durante manifestação na Praça da República (Foto: Vivian Reis/G1)
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Manifestantes usam camiseta com foto de Laura Vermont em protesto no Centro de SP (Foto: Vivian Reis/G1])Manifestantes usam camiseta com foto de Laura Vermont em protesto no Centro de SP (Foto: Vivian Reis/G1)

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