terça-feira, 2 de junho de 2015

'Estoque paralelo' era formado com desvio de produtos do SUS, diz PF


PF e MPF deflagraram operação que investiga médicos e empresários.
Produtos do SUS eram utilizados em cirurgias em clínicas particulares.

Michelly Oda Do G1 Grande Minas
Parte dos materiais apreendidos no estoque mantido pelos médicos para fins particulares (Foto: Michelly Oda / G1)Parte dos materiais apreendidos no estoque mantido pelos médicos para fins particulares (Foto: Michelly Oda / G1)
Durante as investigações que culminaram na operação "Desiderato", realizada nesta terça-feira (2) em MG, SP, RJ e SC, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal identificaram que o desvio de equipamentos do SUS permitiu a formação de um “estoque paralelo” de produtos que eram utilizados pelos médicos investigados em clínicas particulares. Apenas em Montes Claros (MG) podem ter causado um prejuízo de R$ 5 milhões em cinco anos. Setenta e dois mandados foram expedidos pela Justiça, sendo que sete pessoas foram presas, entre elas cardiologistas e empresários. Um investigado está fora do país e é considerado foragido.
Segundo a PF, o esquema criminoso era formado principalmente por empresários e médicos que atuavam em pelo menos dois hospitais, Dilson Godinho e Santa Casa. “Os cardiologistas simulavam e realizavam procedimentos de modo a prescrever stents [tubo metálico usado para expandir vasos sanguíneos entupidos] para pacientes que não tinham a necessidade deste produto, confeccionando um laudo falso e gerando pagamento por parte por SUS. Para cada stent faturado os médicos recebiam R$ 500 e R$ 1 mil de empresas, a título de propina”, explica o delegado Marcelo Freitas.
Como os pacientes não tinham necessidade dos stents, eles eram acumulados e geravam um “estoque paralelo”. Alguns estavam vencidos e, mesmo assim de acordo com a PF, permaneciam armazenados e poderiam estar sendo usados pelos médicos. Os equipamentos ficavam no setor de Hemodinâmica, dentro dos hospitais onde os investigados atuavam. Apenas na Santa Casa foram encontrados equipamentos avaliados em R$ 316 mil, sem registro contábil.
“Eram produtos já faturados e pagos pelo SUS, que se encontravam à margem dos pacientes. Estes produtos eram utilizados em quem se dignava a pagar por fora, em clínicas particulares do grupo investigado”, diz o delegado.
Exemplos de irregularidades com os stents
Um dos casos que ilustra o acúmulo dos stents é o de uma mulher que deu entrada em um hospital de Montes Claros com dores no peito. Ao ser examinada por um médico, ela teve a informação de que precisava ser submetida a um cateterismo. O procedimento foi realizado por outro profissional, que disse para a mulher que ela estava com 70% de uma artéria comprometida, por isso, seria necessário a realização de um ultrassom intravascular, que não era custeado pelo SUS. Para suprir os gastos com o exame, o profissional afirmou que iria fazer um pedido de faturamento de um stent.
A paciente ainda contou que após a autorização da Secretaria de Saúde de Montes Claros para a colocação do stent, ela foi internada em um apartamento com frigobar e televisão. Ao questionar sobre a estrutura teoricamente oferecida pelo SUS, teve a informação de que dois daqueles apartamentos eram destinados exclusivamente à Hemodinâmica. Após receber alta, sem ter colocado o stent, a paciente continuou a sentir dores no peito e procurou por outros médicos. Depois de passar por exames, o diagnóstico foi de que a artéria com 70% de comprometimento, na verdade tinha 20%, o que não ocasionava a necessidade de colocação de um stent.
Em virtude do desvio de stents pessoas podem estar morrendo"
Marcelo Freitas
Para exemplificar o uso do estoque paralelo, Marcelo Freitas cita o caso no qual um dos médicos cobrou R$ 40 mil de um paciente, por procedimentos custeados pelo SUS. Em outro, foi descoberto que um filtro médico, usado em dezembro de 2014 em um homem, havia sido faturado em abril de 2013, quando supostamente deveria ter sido utilizado.
O procurador da República, André de Vasconcelos, explica que algumas questões facilitam o desvio de produtos. Alguns deles são identificados pelo número do lote, o MPF defende que seja criado também um número de série e que os equipamentos fiquem armazenados em farmácias anexas, não sob o controle dos médicos no setor de Hemodinâmica, como é feito em muitos dos hospitais do país.
Para minimizar a ocorrência de fraudes, Vasconcelos defende três aspectos; que os conselhos de medicina fiscalizem as relações entre médicos, empresários e empresas; que o SUS tenha maior controle sobre os produtos utilizados pelos médicos e sobre a atividade dos profissionais que usam estes equipamentos; e que o cidadão que seja vítima de uma exigência de pagamento de um serviço prestado pelo SUS denuncie. O procurador esclarece que, mesmo que haja o pagamento, a situação deve ser levada ao conhecimento da polícia e do Ministério Público, com possibilidade inclusive de que o valor seja ressarcido.

Sobre as empresas
No Norte de Minas duas empresas pagavam as propinas destinadas aos médicos, uma fabricante de dispositivos cardiovasculares e uma distribuidora de produtos médicos e hospitalares importados.

As investigações demonstraram que os cardiologistas chegavam a receber R$ 110 mil por mês com as “bonificações”.
Uma terceira empresa de fachada foi criada pelos médicos investigados, para beneficiá-los. Por meio dela, eles conseguiam legalizar as propinas, que eram pagas com pagamento de consultorias, por exemplo, e reduzir o valor dos tributos cobrados deles. “Um dos médicos que colaborou com as investigações disse que esta discriminação era um pretexto para justificar o ingresso de dinheiro das empresas para eles”, fala o procurador da República.
Outro acordo de colaboração está sendo feito com um dos investigados.

Envolvimento dos hospitais
Tanto o MPF e a PF afirmaram que os dois hospitais nos quais os médicos já atuaram não eram beneficiados pela fraude e sim eram vítimas. Heli Penido e Dilson Godinho Júnior, representantes dos hospitais, afirmaram que assim que tomaram conhecimento das irregularidades instauraram sindicância internas, comunicaram ao Conselho Regional de Medicina e aos órgãos de investigação. Em alguns dos casos, o médicos foi afastado das funções e obrigado a devolver o valor pago pela família de um paciente atendido pelo SUS.

Por telefone o presidente do Conselho Regional de Medicina de Montes Claros, Itagiba de Castro, informou que ainda não tem informações oficiais sobre a operação. Disse que espera que o direto à defesa seja assegurado aos médicos.
Itagiba de Castro ressaltou que as suspeitas relacionadas aos médicos investigados não podem ser imputadas a toda a classe médica e que os casos denunciados serão alvo de sindicâncias. Destacou também o conselho não é conivente com qualquer ato de natureza ilícita.
Crimes
Segundo a PF os envolvidos podem responder por estelionato, formação de quadrilha, falsidade ideológica, uso de documento falso corrupção ativa e passiva e participação em organização criminosa.

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