(Folha) A queda na renda do trabalhador brasileiro e o aumento do desemprego já
se refletem na elevação da inadimplência no Minha Casa Minha Vida, maior
programa habitacional do país. Números do Ministério das Cidades mostram que os atrasos acima de 90
dias, período a partir do qual o cliente é considerado inadimplente pelo
sistema bancário, atingiram em março 21,8% dos financiamentos
concedidos na faixa 1 do programa, destinada às famílias com renda
mensal de até R$ 1.600. Em abril de 2014, eram 17,5%.
Esse grupo paga prestações mensais entre R$ 25 e R$ 80 por um período de
dez anos, o que corresponde apenas a cerca de 5% do valor do imóvel que
vão receber. Nesse caso, o valor não pago pelo mutuário é bancado pelo
Tesouro Nacional. Nas faixas 2 e 3 do programa, que inclui famílias com
renda de até R$
5.000, a inadimplência também subiu, de 1,9% para 2,2% nesse intervalo.
Apesar de bem inferior ao da faixa 1, o dado está acima da média do
mercado, que no mesmo período caiu de 1,8% para 1,7%.
As perdas nessas faixas são assumidas pelo banco que concedeu o
empréstimo ao mutuário, como em qualquer financiamento imobiliário. O
aumento dos atrasos entre esses mutuários também levou a Caixa a
suspender, em fevereiro, o programa Minha Casa Melhor. Tratava-se de uma
linha para compra de móveis e eletrodomésticos com prestações de pouco
mais de R$ 100.
"As pessoas de menor renda são mais suscetíveis a mudanças na economia.
Com o aumento do desemprego e a inflação elevada, a tendência é mais
inadimplência até essas pessoas conseguirem ajustar o orçamento", afirma
o presidente em exercício do Secovi-SP (sindicato da habitação), Flavio
Amary.
O coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão
Financeira da FGV, Lauro Gonzalez, afirma que o cenário econômico
favorece a inadimplência, pois essas famílias gastam mais com água, luz e
condomínio. Há ainda a perda de renda com a inflação e o desemprego.
FALHAS NO PROGRAMA
Autor de estudos sobre o programa, o professor diz que o nível elevado
de atrasos na faixa de menor renda é um problema persistente e que
reflete falhas no programa. Gonzalez afirma que o fato de as pessoas não pagarem uma prestação
relativamente baixa, no caso da faixa 1, comprova algo que é verificado
pela experiência internacional em microfinanças. "Quando se cobra um valor muito inferior à capacidade de pagamento, a
pessoa enxerga aquela obrigação como um compromisso menos importante",
afirma.
Elas priorizam, portanto, o pagamento de outras despesas. Há ainda o
fato de que, até hoje, não foram retomados imóveis na faixa 1 por falta
de pagamento. "As pessoas têm pouco comprometimento com o pagamento e
pouco incentivo para fazê-lo." Em um momento de aperto de renda,
portanto, o programa entra na lista de despesas a serem cortadas.
Gonzalez afirma que a nova fase do programa, prometida pelo governo para
este ano, deveria considerar o aumento do comprometimento de renda com
as prestações por parte dos que podem contribuir mais (quase 80% das
pessoas estão adimplentes), em conjunto com medidas que estimulem o
pagamento em dia, para que isso não se reverta em mais atrasos.
O presidente do Secovi-SP diz que a alta inadimplência na faixa de menor
renda, mesmo em momentos melhores para a economia, já era esperada.
Para ele, a nova fase do programa deve manter a política de altos
subsídios pelo governo para cumprir o objetivo de reduzir o deficit
habitacional nessas famílias.
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