Dois turistas em país de governo
monárquico aguardaram e aplaudiram de pé, junto com um público seleto, a entrada
da rainha e uma convidada de honra, ambas em trajes de gala. Quando todos se
sentaram, um perguntou ao outro:
— Qual das duas é a rainha? — A da direita, você não percebeu? — Não percebi nada especial. Você pode me explicar? — A da esquerda olhou se a cadeira estava no lugar, antes de sentar; e a rainha se sentou sem preocupação com a cadeira.
— Mas não entendo
onde está a importância disso.
— A rainha educa
bem seus servidores, e sabia que a cadeira estava lá.
Outro cenário. Em
1908, a atriz francesa Sarah Bernhardt fez uma tournée pela América do
Sul. Na capital de um país que anos antes degringolara da monarquia para a
república, representava no palco uma peça em que devia saltar do alto de um muro
para o chão. Mas esqueceu que aquela era uma república sul-americana, saltou...
e o colchão não estava onde deveria estar. Com a perna fraturada, a apresentação
da peça e a tournée foram interrompidas. Sarah compreendeu muito tarde
essa nova realidade, mas daí em diante recusou até o atendimento de médicos do
Rio de Janeiro.
Na primeira cena,
quando a convidada conferiu se havia segurança para mudar de posição, demonstrou
prudência – virtude que nos leva a avaliar as condições e os riscos
atuais, próximos. A previdência tem alcance mais longo, é muito
praticada nas famílias e nos governos monárquicos. Demonstrou-a a rainha,
preparando servidores para os movimentos da cerimônia. À atriz faltou
prudência, pois os servidores eram desconhecidos. Sua perna teve de ser
amputada sete anos depois.
Acredito que a imprevidência dos
governos republicanos, com sua visão de curto alcance, seja a principal
desvantagem em relação ao governo monárquico. Voltado para empreendimentos de
longo alcance e objetivos duradouros, o monarca beneficia a população por muitos
séculos, mesmo se a intenção original é beneficiar a própria família. É tão
grande a interpenetração do interesse público com o interesse privado, que não
se distingue onde termina um e onde começa o outro.
Os governos
monárquicos são de índole familiar, estruturados ao longo das gerações, daí
terem muito melhores condições para implantar projetos de longa duração. Começam
a executá-los, mas muitas vezes não os concluem, legando aos descendentes essa
tarefa e os seus benefícios. Nas atividades humanas, nada é perfeito, portanto
está bem longe da minha intenção atribuir só virtudes a uma forma de governo e
só erros a outras. Mas o fato concreto é que a monarquia sempre aproveitou a
experiência do passado para dar rumo definido e coerente ao futuro. Uma
realidade histórica amplamente reconhecida, sintetizada neste aforismo: O
monarca pensa na próxima geração; o presidente, na próxima
eleição.
Algo semelhante existe na vida dos
animais irracionais. As atividades de curto prazo – republicanas, digamos – são
voltadas principalmente para alimentação e autodefesa: seguem o trajeto mais
adequado para agarrar a presa; memorizam o caminho entre dois pontos conhecidos,
etc. Exercem também atividades de longo prazo, geralmente destinadas à
perpetuação da espécie: armazenam os alimentos necessários para o próximo
inverno; conhecem o rumo e o momento adequado para migrar a outro continente;
constroem os ninhos onde cuidarão dos filhotes; mantêm a colmeia, com sua rainha
e um batalhão de operários eficientes. Não se trata de prudência ou previdência,
virtudes racionais impossíveis nos animais irracionais. São instintos, e eles
nunca discutem suas obrigações, simplesmente fazem o que precisa ser feito. Não
precisam que um ditador esquerdista os obrigue a isso.O imediatismo republicano causa muitos males, muita dispersão de recursos, gastos muito além das possibilidades. Ignora assim a previdência, que as famílias ensinam na vida diária e os governos monárquicos sabem aplicar. Tudo indica, no entanto, estar fora de cogitação restaurar a monarquia, com seus grandiosos projetos de longo alcance, daí eu ter pensado em promover uma reciclagem dos políticos republicanos. Como? Exigindo deles um estágio bem prolongado (pelo período de um mandato, no mínimo) no reino animal, a fim de aprender coisas de longo prazo, esquecer imediatismos e paliativos, adaptar os gastos ao dinheiro disponível. Não proponho nenhum absurdo, afinal já existe a Biônica para estudar os seres vivos e aplicar esses conhecimentos na eletrônica e na engenharia. Faríamos o mesmo com o estudo da vida animal, in loco e ao vivo. O objetivo seria implantar na cabeça de políticos republicanos (dentro delas – esqueça os cabelos) as ideias que conduzem a projetos importantes, de longo prazo e de grande alcance. Daríamos a essa espécie de evolução reversa o nome Darwínica, uma homenagem cheia de insinuações. Minha primeira impressão era que esse convívio com outros animais ampliaria o descortino republicano... exceto se os outros animais estivessem com a ideia fixa e imediatista da próxima refeição. Mas o que me levou a desistir do projeto foi uma consideração de ordem prática: Imagine se os outros animais resolvem aprender os maus costumes desse pessoal, ao invés de aplicar ou ensinar o que sabem fazer.
(*)
Jacinto Flecha é médico e colaborador da Abim
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