Após décadas de medidas fracassadas, Secretaria Nacional de Políticas
sobre Drogas deixa de ver uso como questão de segurança pública e mira
no programa paulistano De Braços Abertos
por Marcelo Pellegrini
— CARTA CAPITAL
Em São Paulo, a opção repressiva se revelou um fracasso no combate ao crack. Foto: Nelson Antoine/ FotoArena
Um total de 3,5 bilhões de reais já foram investidos desde 2014 no programa Crack, É Possível Vencer, lançado
em 2011 como a principal resposta do governo federal a uma possível
epidemia no uso e na disseminação do crack pelo País. Contudo, a
iniciativa, focada em ações interministeriais de cuidado, prevenção e de
repressão ao tráfico, foi classificada como um “tiro no escuro” pela
Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que a criticou pela falta de
planejamento.
O crack está presente no Brasil desde o início dos anos 90, mas só foi alvo de estudo que traçasse um perfil de seus usuários em 2013. Ou seja, a pesquisa da Fiocruz chegou após mais de duas décadas de medidas de repressão e internações forçadas que fracassaram em impedir o aumento de seu consumo e sua disseminação. Hoje, 98% dos municípios brasileiros dizem possuir algum dependente da droga.
A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), responsável por encomendar o estudo da Fiocruz, não concorda com a avaliação da CNM. “As ações do programa não foram comprometidas pela ausência da pesquisa. Boa parte dos resultados revelados por ela já eram estimados pela Secretaria”, afirma o secretário nacional de política sobre drogas, Vitore Maximiano.
A baixa adesão ao programa, contudo, pesa contra a Senad. Ao fim da iniciativa, apenas 118 municípios estão incluídos nas ações, ou seja, pouco mais de 2% do total de cidades no País. Entraves burocráticos e a inação de governos estaduais contribuem para essa dificuldade.
Para o professor de psiquiatria da Unifesp, Dartiu Xavier, o estudo lança luz a um problema que sempre foi tratado na base do improviso. “O mais importante do estudo é derrubar mitos: o primeiro é o de que o crack é um problema de segurança pública, quando na verdade é uma questão social; o segundo é o de que o crack é uma epidemia e, por fim, o de que os usuários não querem abandonar o vício”, afirma Xavier.
As medidas esboçadas pelo governo federal, contudo, estão distantes das ações integradas entre as secretarias da cidade de São Paulo em seu projeto De Braços Abertos, reconhecido internacionalmente como um modelo de combate à dependência de crack. Lançado em 2014, após o fracasso de diversas tentativas repressivas e de internação compulsória apoiadas pelo governo estadual, o programa municipal aposta no fornecimento de emprego e moradia aos usuários.
"É um equivoco achar que as pessoas ficam em situação de rua em razão do crack. A verdade é que elas já eram de alta vulnerabilidade social e, em razão da falta de opções de vida, acabaram viciadas em crack, porque é uma droga muito barata", conta a secretária de assistência social paulistana, Luciana Temer.
Com ações envolvendo as secretarias de assistência social, saúde, habitação, trabalho e segurança, os frutos do projeto já começam a ser percebidos. Hoje, das 500 pessoas que são atendidas pelo programa, 50 já estão morando com suas famílias, 20 estão empregadas com carteira assinada e outras 42 passam por cursos de capacitação ou trabalham com jardinagem para a prefeitura.
"O programa é uma mudança de paradigma no enfrentamento da drogadição porque tira o foco da droga e passa para o usuário, investindo em igualdade social", afirma Temer. Nesse sentido, cerca de 700 atendimentos odontológicos foram realizados para aumentar a autoestima e as chances profissionais dessas pessoas. Ao mesmo tempo, 59 casos de tuberculose foram diagnosticados.
Além disso, 89 pessoas foram retiradas das ruas e, hoje, são atendidas nos Caps, enquanto dez adolescentes e cinco adultos encontraram abrigo em Unidades de Acolhimento do centro e outros 22 em moradias da cidade.
"Muitos criticam a prefeitura por dar emprego ao usuário e vê-lo gastar parte de seu salário com droga", conta Temer. "Mas, quando o acompanhamos, vemos que o consumo caiu drasticamente e que a droga que antes era obtida por furto ou roubo, hoje, é comprada. Isso é extremamente importante."
Para ela, o programa mostra que a única saída para a drogadição é devolver a dignidade da pessoa através de acesso a direitos básicos, como moradia, saúde e trabalho.
Atualmente, as subprefeituras paulistanas estão desenvolvendo uma pesquisa sobre o consumo de drogas para dirigir as ações de prevenção e tratamento de acordo com as necessidades locais. Ao mesmo tempo, diversas prefeituras brasileiras têm visitado São Paulo na tentativa de replicar o programa. "Muitas cidades pequenas já têm nos procurado e temos compartilhado nossa experiência. Sem dúvida nenhuma, é possível replicar o programa nessas cidades, apesar de suas dificuldades orçamentárias e de falta de profissionais”, afirma.
O crack está presente no Brasil desde o início dos anos 90, mas só foi alvo de estudo que traçasse um perfil de seus usuários em 2013. Ou seja, a pesquisa da Fiocruz chegou após mais de duas décadas de medidas de repressão e internações forçadas que fracassaram em impedir o aumento de seu consumo e sua disseminação. Hoje, 98% dos municípios brasileiros dizem possuir algum dependente da droga.
A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), responsável por encomendar o estudo da Fiocruz, não concorda com a avaliação da CNM. “As ações do programa não foram comprometidas pela ausência da pesquisa. Boa parte dos resultados revelados por ela já eram estimados pela Secretaria”, afirma o secretário nacional de política sobre drogas, Vitore Maximiano.
A baixa adesão ao programa, contudo, pesa contra a Senad. Ao fim da iniciativa, apenas 118 municípios estão incluídos nas ações, ou seja, pouco mais de 2% do total de cidades no País. Entraves burocráticos e a inação de governos estaduais contribuem para essa dificuldade.
Para o professor de psiquiatria da Unifesp, Dartiu Xavier, o estudo lança luz a um problema que sempre foi tratado na base do improviso. “O mais importante do estudo é derrubar mitos: o primeiro é o de que o crack é um problema de segurança pública, quando na verdade é uma questão social; o segundo é o de que o crack é uma epidemia e, por fim, o de que os usuários não querem abandonar o vício”, afirma Xavier.
Segundo o Ministério da Justiça, os três anos do
programa Crack, É Possível Vencer colaboraram para estruturar uma rede
de cuidados no País, que, embora ainda seja deficitária, deixa o Brasil
mais bem preparado para o combate da droga em comparação a seus
vizinhos. “Hoje, o Brasil possui 364 Caps especializados em álcool e
drogas, sendo que a grande maioria foi construída com recursos do
programa”, afirma o secretário da Senad, Vitore Maximiano.
Além dos Caps, a rede de tratamento para dependentes também
conta com leitos do Sistema Único de Saúde (SUS), unidades de
acolhimento ambulatorial, Caps e comunidades terapêuticas. “A cocaína
fumada, como é chamado o crack, é um problema regional, que afeta a
Argentina, o Uruguai, o Paraguai, a Colômbia e o Chile”, diz Maximiano.
“E a solução não está no controle de fronteiras, mas em ações de combate
à exclusão social. Prova disso são os Estados Unidos, que têm a maior
fronteira murada do mundo e, ainda assim, são os maiores consumidores de
cocaína."
Por isso, para o secretário, aliar políticas sociais ao
tratamento é fundamental. "Quando a dependência está associada à
vulnerabilidade social, tudo se agrava", diz. Sob esse novo mote, o
governo federal tem investido na capacitação de 500 mil profissionais
via cursos de educação à distância ministrados por universidades
federais. A cooperação entre as secretarias de assistência social e
saúde também estão sendo incentivadas.
Os achados da pesquisa realizada pela Fiocruz vão de
encontro com o cenário relatado pelo secretário. Segundo o estudo, 80%
dos usuários de crack no País são homens, não brancos (negros ou
pardos), sem ensino médio e sem emprego ou renda fixa. Ou seja, em
flagrante situação de marginalização social.
A pesquisa, realizada com 30 mil pessoas, em 26
capitais, ainda revela que 40% dos usuários estão em situação de rua,
60% são solteiros, e geralmente sem vínculo familiar, com média de 28
anos e que metade já esteve preso. Entre as mulheres, metade tem filhos
ou se prostitui. Ao todo, 0,8% das pessoas das capitais brasileiras são
usuárias regulares de crack.
De Braços Abertos
As medidas esboçadas pelo governo federal, contudo, estão distantes das ações integradas entre as secretarias da cidade de São Paulo em seu projeto De Braços Abertos, reconhecido internacionalmente como um modelo de combate à dependência de crack. Lançado em 2014, após o fracasso de diversas tentativas repressivas e de internação compulsória apoiadas pelo governo estadual, o programa municipal aposta no fornecimento de emprego e moradia aos usuários.
"É um equivoco achar que as pessoas ficam em situação de rua em razão do crack. A verdade é que elas já eram de alta vulnerabilidade social e, em razão da falta de opções de vida, acabaram viciadas em crack, porque é uma droga muito barata", conta a secretária de assistência social paulistana, Luciana Temer.
Com ações envolvendo as secretarias de assistência social, saúde, habitação, trabalho e segurança, os frutos do projeto já começam a ser percebidos. Hoje, das 500 pessoas que são atendidas pelo programa, 50 já estão morando com suas famílias, 20 estão empregadas com carteira assinada e outras 42 passam por cursos de capacitação ou trabalham com jardinagem para a prefeitura.
"O programa é uma mudança de paradigma no enfrentamento da drogadição porque tira o foco da droga e passa para o usuário, investindo em igualdade social", afirma Temer. Nesse sentido, cerca de 700 atendimentos odontológicos foram realizados para aumentar a autoestima e as chances profissionais dessas pessoas. Ao mesmo tempo, 59 casos de tuberculose foram diagnosticados.
Além disso, 89 pessoas foram retiradas das ruas e, hoje, são atendidas nos Caps, enquanto dez adolescentes e cinco adultos encontraram abrigo em Unidades de Acolhimento do centro e outros 22 em moradias da cidade.
"Muitos criticam a prefeitura por dar emprego ao usuário e vê-lo gastar parte de seu salário com droga", conta Temer. "Mas, quando o acompanhamos, vemos que o consumo caiu drasticamente e que a droga que antes era obtida por furto ou roubo, hoje, é comprada. Isso é extremamente importante."
Para ela, o programa mostra que a única saída para a drogadição é devolver a dignidade da pessoa através de acesso a direitos básicos, como moradia, saúde e trabalho.
Atualmente, as subprefeituras paulistanas estão desenvolvendo uma pesquisa sobre o consumo de drogas para dirigir as ações de prevenção e tratamento de acordo com as necessidades locais. Ao mesmo tempo, diversas prefeituras brasileiras têm visitado São Paulo na tentativa de replicar o programa. "Muitas cidades pequenas já têm nos procurado e temos compartilhado nossa experiência. Sem dúvida nenhuma, é possível replicar o programa nessas cidades, apesar de suas dificuldades orçamentárias e de falta de profissionais”, afirma.
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