Urbanismo, feminismo e diversidade sexual são temas de algumas troças.
Foliões dizem que descontração facilita acesso dos cidadãos ao debate.
Grêmio
Anárquico Feminazi Essa Fada mistura sátira carnavalesca e debate sobre
violência de gênero. Versão estilizada de escultura de Francisco
Brennand que é símbolo do Marco Zero do Recife foi parar na marca do
grupo (Foto: Reprodução / Facebook)
No carnaval de 2014, muitos foliões do Recife
se depararam com uma cena inusitada: pessoas vestidas de prédios
ficavam paradas, lado a lado, de forma que os brincantes não conseguiam
enxergar a atração da festa. Tratava-se da Troça Carnavalesca Empatando
Tua Vista, uma crítica à verticalização da cidade e à falta de
planejamento urbano vivida pela capital pernambucana nos últimos anos. A
situação, que deve se repetir esse ano, simboliza uma das ideias mais
presentes no carnaval: usar a descontração da festa para abordar temas
sérios, com postura crítica e bem humorada. Vários blocos e troças que
levantam outras bandeiras de luta estão em fase de gestação e prometem
tomar as ruas e ladeiras na folia pernambucana deste ano."A ideia é justamente essa, a gente coloca os prédios na frente da atração, atrapalhando quem quer ver. O sentido do bloco é levar a temática da verticalização excessiva de uma forma divertida, bem humorada; ampliar o círculo de pessoas que normalmente não participariam dessa discussão", conta o servidor público Fernando Ribamar, um dos organizadores do Empatando Tua Vista. O bloco foi articulado através das redes sociais, entre pessoas que geralmente debatem sobre a forma de ocupação que vem acontecendo no Recife.
Empatando Tua Vista estreou no carnaval 2014 do Recife, atrapalhando a vista de muitos foliões (Foto: Débora Soares / G1)
A primeira ‘aparição’ do grupo foi antes do período carnavalesco, na
Rua da Aurora, o que chamou a atenção de mais pessoas e engrossou o
caldo de foliões interessados em se fantasiar de arranha-céu. "Várias
pessoas acompanharam o bloco em 2014, umas vinte estavam vestidas de
prédio", relembra Fernando. No carnaval deste ano, a troça já planeja
sair duas vezes. Uma delas deve ser na prévia do bloco Enquanto Isso Na
Sala de Justiça, no dia 7 de fevereiro; já a outra, na saída do Bloco do
Nada, na segunda-feira de carnaval (16), no Recife.
Joana Aquino (E) e Geisa Agrício vão se vestir de fada para
estreia do Feminazi Essa Fada (Foto: Marina Barbosa/G1)
Outro grupo que transforma o Carnaval em negócio sério são as amigas e
sócias Geisa Agrício e Joana Aquino. Elas planejam a saída do bloco
Grêmio Anárquico Feminazi Essa Fada, que deve tomar as ladeiras de Olinda
na segunda de Carnaval (16), tendo como pauta o feminismo e as relações
de gênero. “A gente ainda está maturando a ideia, mas vamos sair esse
ano, de todo jeito”, promete Geisa. As discussões, acaloradas e bem
humoradas, acontecem através das redes sociais.estreia do Feminazi Essa Fada (Foto: Marina Barbosa/G1)
A jornalista conta que a ideia da troça surgiu de forma espontânea -- como acontece com a maioria dos blocos de carnaval. O grupo inicial, de cinco amigas, ia se fantasiar de fada no carnaval, replicando de forma irônica uma brincadeira que existe entre elas, de chamarem umas às outras de feminazis. “A ideia é quebrar esse estereótipo da fada, da mulher ‘boazinha’, certinha”, conta. Mas o grupo percebeu que a inquietação incomodava muitas outras mulheres e resolveu criar o bloco. “Na internet estamos sentindo uma reação bem mais positiva, com apoio dos homens, também”, conta Geisa.
Camisa da troça estampa a diversidade na forma de amor
(Foto: Simone Bispo)
A folia também é tempo de discussão para a Troça Carnavalesca Mista
Toda Forma de Amor, também estreante na folia de Pernambuco. O grupo de
amigos é guiado pela secretária Camila Moura, que incentivou os outros a
se engajarem em um projeto social, desdobramento do bloco. "A gente
quer atuar o ano inteiro, cada vez com uma atividade diferente, unindo
as pessoas que querem espalhar a mensagem de amor ao próximo", conta
Camila.(Foto: Simone Bispo)
Entre as atividades do grupo, estão distribuição de brinquedos para crianças carentes e uma ação de incentivo à doação de sangue - o que deve acontecer ainda antes da festa carnavalesca. "O carnaval é um período em que os hospitais precisam muito de sangue e as doações caem", explica Camila.
Além da solidariedade da Troça Toda Forma de Amor, outra pauta é a diversidade sexual. O grupo levanta a discussão sobre o amor de forma geral, sem fazer concessões. "O que a gente faz é acolher as pessoas que emanam amor de qualquer forma, diversos tipos de amor", destaca a presidente da troça. A saída do bloco também será na segunda-feira de carnaval (16), em Olinda, com concentração às 10h, na Igreja de São Pedro.
Grupo de amigos se propôs a transformar a Troça Toda
Forma de Amor em ponto de partida para ações de
solidariedade, o ano inteiro (Foto: Simone Bispo)
Questões sociaisForma de Amor em ponto de partida para ações de
solidariedade, o ano inteiro (Foto: Simone Bispo)
A jornalista Geisa Agrício comenta que blocos que levam assuntos sérios para o carnaval tornam a festa mais interessante. “O carnaval já é uma festa de resistência, que surgiu dos negros, das comunidades, e tem essa essência de colocar algo que já estava sendo ‘engolido’ há muito tempo para fora, de forma artística. Enquanto existir essa vontade coletiva, mais uma geração de carnaval está garantida”, analisa.
Para Camila Moura, a festa também é lugar de outras questões, que se estendem pelo ano inteiro. "É diferente trazer não só a folia, mas um bem maior dentro dela, não ficar somente na festa", afirma. Já Fernando Ribamar aponta a descontração da festa como um facilitador para as discussões na cidade. “O humor é uma forma de levar uma discussão para um ambiente onde não isso não chegaria. É assim que você atinge as pessoas", completa o folião.
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